SILVIO OSIAS
Show de Milton é bálsamo num país sob desconstrução
Publicado em 23/08/2019 às 7:28 | Atualizado em 30/08/2021 às 20:40
"Um grande país eu espero do fundo da noite chegar".
O verso vem de longe. Lá do começo dos anos 1970. De uma canção chamada Clube da Esquina. Ela está no disco de Milton Nascimento com o Som Imaginário. Aquele que começa com Para Lennon e McCartney. É, portanto, anterior ao álbum Clube da Esquina.
"Um grande país eu espero do fundo da noite chegar".
O verso falava de um sonho (ou de muitos sonhos) que a gente tinha no Brasil da ditadura militar.
Depois dele, veio o álbum Clube da Esquina, no qual os espaços eram divididos entre Milton e um quase garoto chamado Lô Borges.
E, em seguida, vieram todos aqueles discos que Bituca gravou na década de 1970. Milagre dos Peixes e Milagre dos Peixes ao Vivo e Minas e Geraes e, finalmente, o Clube da Esquina 2.
Esses discos e suas canções são um pedaço das nossas vidas. Pedro Osmar me disse algo parecido ao final do show Clube da Esquina, que Milton apresentou nesta quinta-feira (22) no Teatro A Pedra do Reino, em João Pessoa.
Aos 76 anos (77 em outubro), Milton Nascimento está na estrada (Brasil e mundo), revisitando o repertório dos dois álbuns Clube da Esquina e mais algumas canções daquela época.
Nos meus 60 anos, nos meus quase 50 anos de espectador de shows ao vivo, vi (prossigo vendo) muita coisa bonita. Muita mesmo. Mas não foram muitas as que me emocionaram tanto quanto este Milton que vi agora, na velhice, voltando às canções dos seus 30 ou 30 e poucos anos.
São canções belas, fortes, cortantes, e elas nos remetem não somente a grandes discos, que a gente ouve até hoje, mas ao tempo dos nossos melhores sonhos, das nossas maiores esperanças.
O show de Milton, só com velhas canções, é um arrebatador diálogo do presente com o passado. O nosso passado e o nosso presente. É o Brasil que está ali, o Brasil dos seus grandes legados, dos seus construtores, daqueles que nos representam, que nos orgulham, estejamos aqui ou longe daqui. Seja noite ou dia.
Nada Será Como Antes e Cais e San Vicente e Trem Azul e Para Lennon e McCartney e Maria, Maria e Ponta de Areia. Bituca e sua vigorosa banda. Arranjos que remetem aos originais, mas injetam atualidade a velhos sons. Versos e versos e mais versos que são ressignificados pela passagem do tempo e se reencontram agora, numa outra noite brasileira.
Clube da Esquina, o show de Milton Nascimento, é um bálsamo num país em desconstrução.
Comove. Emociona. Alegra. Entristece também.
"Um grande país eu espero do fundo da noite chegar".
A canção que tem esse verso não está no set list.
Mas aquela outra, que se chama Clube da Esquina 2, está.
É ela que nos diz que sonhos não envelhecem.
Tomara.
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