SILVIO OSIAS
Cabra marcado para morrer, mulher marcada para viver
Elizabeth Teixeira, viúva de João Pedro, faz 100 anos nesta quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025.
Publicado em 11/02/2025 às 8:32
![Cabra marcado para morrer, mulher marcada para viver](https://cdn.jornaldaparaiba.com.br/img/inline/180000/500x0/Cabra-marcado-para-morrer-mulher-marcada-para-vive0018833800202502110833-8.webp?fallback=https%3A%2F%2Fcdn.jornaldaparaiba.com.br%2Fimg%2Finline%2F180000%2FCabra-marcado-para-morrer-mulher-marcada-para-vive0018833800202502110833.jpg%3Fxid%3D1108021&xid=1108021)
Nesta quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025, Dona Elizabeth Teixeira faz 100 anos. A viúva do líder camponês João Pedro Teixeira, assassinado em 1962, é um símbolo.
É um símbolo como mulher e uma referência na luta por uma reforma no campo que, apesar dos avanços obtidos, o Brasil nunca conseguiu fazer direito.
A história da vida trágica de Dona Elizabeth Teixeira é contada no documentário Cabra Marcado Para Morrer, que Eduardo Coutinho lançou em 1984.
Quando lançado, 41 anos atrás, Cabra Marcado Para Morrer dividiu espaço no circuito comercial com outro documentário. Era Jango, de Sílvio Tendler.
Nos estertores da ditadura, o Brasil lutava pelas eleições diretas para presidente, e os dois filmes contavam histórias pré e pós 1964, mas tinham uma diferença básica.
O documentário de Sílvio Tendler falava da luta política sob a perspectiva da elite, enquanto que o de Eduardo Coutinho se debruçava sobre os que ficaram à margem.
Eduardo Coutinho tentou filmar Cabra Marcado Para Morrer em 1964, mas as filmagens, em Pernambuco, foram interrompidas pelo golpe militar de 31 de março.
Vladimir Carvalho era o assistente de direção de Coutinho. Há uma foto de Vladimir com uma claquete nas mãos tirada na noite em que os militares depuseram Jango.
A equipe teve que se dispersar para não ser presa, e quem não só deu deu fuga como escondeu Dona Elizabeth Teixeira foi Vladimir Carvalho.
Em 1981, quando finalmente pôde retomar o projeto de filmar a história do líder camponês João Pedro Teixeira, Eduardo Coutinho não sabia direito o que fazer.
Tinha imagens registradas em 1964 e algumas fotos de cena. O caminho não seria mais o da ficção, posto que as circunstâncias o levavam ao documentário.
Como um repórter, Coutinho voltou a Pernambuco à procura dos agricultores com quem havia filmado antes que os militares tomassem o poder.
Fez mais: saiu em busca de Elizabeth Teixeira, a viúva de João Pedro, que encontrou vivendo na clandestinidade numa cidadezinha do Rio Grande do Norte.
Lá, Dona Elizabeth se transformara em professora e era chamada de Marta. A reportagem de Coutinho é o que Cabra Marcado Para Morrer nos mostra.
Poucos filmes brasileiros me impressionaram tanto quanto Cabra Marcado Para Morrer. Tanto pela sua absoluta originalidade quanto pelo seu conteúdo político e ideológico.
Um cineasta, com os restos de um filme inacabado, reencontra pessoas humildes que, 17 anos antes, tentou transformar em atores e mostra a elas as imagens do passado.
Neste retorno, grava depoimentos que falam da luta na qual elas se envolveram, mas também da miséria, das perseguições, da tortura, das tragédias familiares, da fé.
As conversas de Coutinho com seus personagens acabam tocando em questões permanentes do homem, para além dos temas de um determinado contexto histórico.
Lembro perfeitamente do dia em que Eduardo Coutinho chegou à redação de A União à procura dos arquivos do jornal. Conversei com ele e testemunhei a conversa dele com Agnaldo Almeida, que, à época, era o editor do jornal.
Coutinho não escondia que retomava um projeto interrompido em 1964, mas falava pouco de como seria esta retomada. Talvez ele próprio ainda não soubesse.
Nunca imaginei que, naqueles dias de 1981, estava em gestação um filme tão extraordinário e imprescindível quanto Cabra Marcado Para Morrer.
Cabra Marcado Para Morrer é um dos maiores filmes brasileiros de todos os tempos. Cabra Marcado Para Morrer é um dos grandes filmes do mundo. Revê-lo pode ser uma bela homenagem aos 100 anos de Dona Elizabeth Teixeira.
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