SILVIO OSIAS
"Vidas negras deveriam importar. A vida das mulheres negras deveria importar"
Publicado em 28/08/2020 às 10:16 | Atualizado em 30/08/2021 às 20:55
Nesta sexta-feira (28), abro espaço para artigo da professora Nadia Farias dos Santos.
TODOS OS CORPOS IMPORTAM
Nadia Farias dos Santos
É estranho pensar no corpo como uma propriedade, como algo que se possui, do qual temos direito, domínio, posse. Somos realmente proprietários de nossos corpos? Mas, de qual corpo falamos?
De uma maneira mais ampla, o corpo negro, por herança nefasta da escravização dos povos africanos e seu espalhamento pelo mundo na diáspora, por mais de quatro séculos, ditou o lugar desse corpo nas sociedades nas quais foi inserido como mão de obra escrava.
A representação construída sobre a pele preta, de modo leviano e irreal, durante todo o período da escravidão, girou em torno da inferioridade, da incompetência e da marginalidade. O que nos faz assistir a imagens na televisão e fora dela de corpos sendo maltratados, machucados, ignorados enquanto cidadãos, mortos pela ação ou omissão do estado e da sociedade.
E, por falar em corpos, talvez devêssemos perguntar às mulheres, em especial às mulheres negras, acerca das diversas opressões sofridas sobre seus corpos, acumulando estatísticas fortes e deixando bem pautado que há corpos que importam, outros, não, a depender da cor de sua pele.
A mulher negra sofre com o peso do machismo e do racismo sobre o seu corpo. São elas as maiores vítimas de violências, como a obstétrica, uma vez que há uma crença infundada de que as negras suportam mais a dor, abusos sexuais, feminicídios,
exploração da força de trabalho, menores salários...
Preciso falar mais? Com certeza, nós ainda temos muito a refletir sobre a condição do corpo feminino, principalmente do corpo feminino negro, cujas veias abertas pelo machismo sangram aos milhares na mão de homens que se sentem donos dos corpos delas. Sim, precisamos falar dos oceanos de lágrimas derramadas pelas mães negras de corpos negros vítimas de balas achadas. Sim, precisamos falar das milhares de mulheres negras chefes de família, assalariadas ou subempregadas. Sim, precisamos falar em feminismo, mulherismo, empoderamento, interseccionalidades, em tantas outras pautas necessárias a uma condição digna de existência das mulheres.
Essas são algumas das condições impostas às mulheres negras brasileiras. Seus corpos carregados de cicatrizes do passado que reverberam no presente e que podem ser comprovadas nas estatísticas oficiais, nas organizações de defesa ou apenas no clicar de um controle remoto ao ligar a televisão, folhear o jornal ou acessar a internet. Vidas negras deveriam importar. A vida das mulheres negras deveria importar. Será mesmo que todas as vidas importam? Afinal, sabemos quais são os corpos que tombam. Pense nisso!
*****
Nadia Farias dos Santos é integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação, Gênero e Diversidade (Negedi) e do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi), ambos do IFRN. Pedagoga, mestre em ensino (UERN), doutoranda em educação (UFPB) e docente do IFRN, campus Apodi.
Comentários