CULTURA
Titãs monta repertório 'furioso' com canções que retratam Brasil atual
Grupo resgata velhas canções para uni-las ao repertório de 'Nheengatu' e compor panorama crítico do país.
Publicado em 16/09/2015 às 9:17
"São sempre os mesmos governantes / Os mesmos que lucraram antes / Os sindicatos fazem greve / Porque ninguém é consultado / Pois tudo tem que virar óleo / Pra por na máquina do estado". Os versos de ‘Desordem’ soam tão atuais que parecem encontrar inspiração no caos administrativo e político que o país vive hoje.
A canção dos Titãs, lançada no disco Jesus não Tem Dentes no País dos Banguelas (1987), encaixa-se com perfeição no repertório do novo DVD, Nheengatu ao Vivo (Som Livre, R$ 29,90), que leva para o palco a turnê do álbum de 2014.
Lançado em meio à crise que só piora, o disco de estúdio e o DVD ao vivo (que também sai em CD) refletem o momento do país, avalia Tony Bellotto, um dos cinco integrantes originais dos Titãs. “Essas manifestações de 2013 prenunciaram essa situação toda”, comenta o guitarrista, por telefone. “As coisas só mudaram de foco: aqueles protestos eram um pouco mais apartidários e apolíticos, já que era uma revolta generalizada contra a situação geral. Os de agora têm um caráter mais definido, de quem está contra e de quem está a favor do governo”.
Para Bellotto, de 2013, o país vive uma "convulsão", provocada pelo "clareamento" do fracasso do atual governo e a insatisfação gerada com a exposição provocada por operações como a Lava Jato, na avaliação dele, "de uma maneira gritante, deixando as pessoas chocadas”.
“Tanto Nheengatu, quanto Nheengatu ao Vivo, estão dentro de um mesmo momento, em que o país está convulsionado, dividido e preocupado, já que a crise financeira está piorando e isso vai gerando um desespero geral”, afirma o músico.
Cercado por essa situação, os Titãs montaram um repertório furioso. Em menos de uma hora, enfileiram 14 canções, executadas com a urgência do punk-rock, dentro da atmosfera do trabalho mais recente. São canções de discos como o citado Jesus Não Tem Dentes…, Titanomaquia (1993) e também dos primeiros discos, Titãs (1984) e Televisão (1985), que há muito criavam poeira na memória dos fãs.
Coautor de ‘Desordem’, Sérgio Britto concorda com a atualidade da canção, que lançou há quase 30 anos.”Essa história de quem quer manter a ordem, quem quer criar desordem, esses questionamentos se encaixam como uma luva no momento que a gente vive”, comenta, também por telefone.
‘Desordem’ faz coro com ‘Vossa Excelência’ (de 2005) e a nova ‘Fardados’, inspirada nas manifestações de 2013, mais especificamente em uma faixa que surgiu nas ruas: “Fardado, você também é explorado”.
No palco, a canção é executada pelos quatro Titãs com máscaras de palhaço. São palhaços sinistros, que cospem versos como “Por que você não abaixa essa arma / O meu direito é seu dever / Por que você não usa essa farda / Pra servir e pra proteger”.
A ideia partiu do videoclipe da música e ganhou os palcos. Para Sérgio Britto, o conceito veio das máscaras usadas nos protestos. “Ao mesmo tempo que faz uma alusão às manifestações, tem o comentário subliminar: Isso aqui é uma comédia! Uma palhaçada! Tem uma série de subtextos que podem se conectar com a figura do palhaço”, avalia.
O repertório do show excluiu o repertório do mitológico Cabeça Dinossauro (1986), afinal não faz nem três anos que a banda dedicou uma turnê inteira e um DVD ao repertório do disco. “A gente optou por não botar nenhuma música do Cabeça Dinossauro, o que é uma coisa difícil pra gente, já que ele é uma espécie de viga-mestra de todos os shows dos Titãs”, comenta o Belloto. “Então a gente ‘tirou fora’ as músicas do Cabeça para resgatar ‘Desordem’, ‘Massacre’, ‘Jesus não tem dentes do país dos banguelas’, e fazendo uns contrapontos interessantes”, comenta.
O guitarrista se refere a ‘Sonífera ilha’ que, como ele próprio admite, aparentemente não tem nada a ver com o repertório de Nheengatu. “Mas é uma música muito representativa do que a gente é, então a gente tocou com uma pegada mais pesada”, justifica.
Para Bellotto, a ideia do repertório era criar um conjunto de músicas que a banda chama de ‘rock pesado brasileiro'. "Não só no tema, falando do Brasil, mas musicalmente ligado a temas brasileiros. Então assim, ‘Sonífera’ casou muito bem”, justifica.
“À nossa maneira, a gente estava querendo falar sobre o Brasil. O samba, as marchinhas, de certa forma, sempre comentaram o momento de político e social de sua época. Se você fizer um apanhado das canções que a gente gravou, vai ver que esse disco será lembrado também por isso, por fazer um retrato do Brasil de hoje", conclui Britto.
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