CULTURA
"Todo mundo tem o seu dia"
Cantor Jair Rodrigues morreu na manhã desta quinta-feira (8) aos 75 anos, vítima de um infarto agudo do miocárdio.
Publicado em 09/05/2014 às 6:00 | Atualizado em 29/01/2024 às 12:47
“Todo mundo tem seu dia... O ‘hômi’ (Deus) está superfeliz comigo! E a felicidade sempre aumenta! Vou ficar mais tempo enchendo o saco de vocês”, foram as últimas palavras de Jair Rodrigues ao telefone, quando a reportagem do Jornal da Paraíba o entrevistou, no final de março, em virtude do lançamento dos dois discos do projeto Samba Mesmo. Ele estava com 75 anos e comemorava 55 de carreira.
A pergunta foi em cima de outra resposta: “A gente só para quando Deus leva. E eu converso sempre com Ele pra me deixar ainda bastante tempo por aqui”.
Mas os planos do ‘hômi’ eram outros e Jair morreu ontem, na sua casa, a Granja Viana, localizada em Cotia, na grande São Paulo. O cantor sofreu um infarto agudo do miocárdio, segundo divulgou sua assessoria de imprensa.
Nesse novo trabalho, cujo repertório são os clássicos da MPB que ele nunca tinha gravado em estúdio, uma das música definia bem o artista natural de Igarapava (SP): ‘Força da natureza’, composição inédita feita a seis mãos pelo próprio Jair junto com os amigos Carlos Odilon e Orlando Marques e que estava escondida há 40 anos.
“O que me impressiona é a alegria e a vitalidade dele”, aponta o produtor cultural e músico Fubá, que foi o responsável por três vindas de Jair à Paraíba, a última pelo projeto Seis e Meia com shows em João Pessoa (MAG Shopping) e Campina Grande (Teatro Municipal Severino Cabral) nos dias 15 e 16 de julho de 2009, respectivamente. “Aos 70 anos de idade ele plantou bananeira no palco, já pensasse?!”, relembra o Fuba.
Na sua última entrevista ao Jornal da Paraíba, toda a sua vitalidade e alegria foram mostradas antes mesmo de começar a responder as perguntas, quando, assim que atendeu, cantarolando foi perguntando, no mesmo tom sincopado da música, como estava a “Paraíba masculina, mulé macho, sim sinhô”.
Os dois álbuns do Samba Mesmo pareciam uma despedida do intérprete que dizia, na sua energia, que qualquer música mais romântica no seu ritmo acelerado se transformava em samba.
Ele só chamou para cantar juntos os filhos artistas, Jair Oliveira, o Jairzinho, e Luciana Mello. No repertório inédito no seu compasso, uma das músicas mais emblemáticas da paraibana Elba Ramalho, ‘De volta pro meu aconchego’ (canção criada por Dominguinhos e Nando Cordel).
No disco e DVD de três décadas da trajetória de Jairzinho, Jair Oliveira 30, também lançado recentemente, pai e filho cantam uma das músicas de maior sucesso de Rodrigues, ‘Disparada’ (do paraibano Geraldo Vandré com o carioca Theo de Barros), vencedora do Festival de Música Popular Brasileira, em 1966, junto com ‘A banda’, de Chico Buarque e interpretada na época por Nara Leão.
MAIS FELIZ DO PLANETA
Jair Rodrigues passou a sua infância e adolescência soltando a voz nos corais de igreja, começando a carreira profissional como crooner de casas noturnas no final dos anos 1950.
“Eu sempre ouvia o Agostinho dos Santos cantar ‘Eu não existo sem você’ (música de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, interpretada pela primeira vez em capela em Samba Mesmo). Quando cantava na noite, eu o imitava. Tanto que colocaram meu apelido de Agostinho Júnior”, recordou aos sorrisos na sua derradeira entrevista para a Paraíba.
Em 1962, gravou um disco de 78 rotações, seu primeiro registro. As músicas ‘Brasil sensacional’ e ‘Marechal da vitória’ tinham como tema a Copa do Mundo daquele ano, no Chile, que foi vencida pela seleção canarinho.
Dois anos depois gravou seus dois primeiros LPs, Vou de Samba com Você e O Samba como Ele É, cujo maior sucesso foi o hit que sempre era cantado por onde ele passava, no ritmo suingado das mãos dando o compasso: ‘Deixa isso pra lá’ (composta por Édson Menezes e Alberto Paz) é tida como precursora do rap no Brasil.
Uma figura indissolúvel no trabalho de Jair Rodrigues é a ‘pimentinha’ Elis Regina. Eles iniciaram a dupla em 1965 e lançaram o disco ao vivo Dois na Bossa. A repercussão do LP rendeu também um convite para apresentar o programa televisivo O Fino da Bossa, que estreou em maio do mesmo ano.
Elis e Jair lançaram mais dois volumes da série Dois na Bossa, em 1966 e 1967.
“Nas conversas ele sempre falou de Elis Regina, que impulsionou a carreira dele. Era muito generoso e reconhecia isso nela”, recorda Fubá. “Ele tinha essa energia boa no coração.
Era muito conversador e não tinha nada de estrelismos”, completa.
Quando foi questionado na sua última entrevista por este jornal sobre se sempre estava de bem com a vida, cantarolando todos os dias, Jair prontamente respondeu que seu filho o fitava quando ele estava improvisando um batuque ou ritmando a meia voz dizendo: “O senhor gosta de cantar, né?!”
“Jairzinho sempre diz que está pra surgir o homem mais feliz do planeta”. E a felicidade passou, como o rio do samba.
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