CULTURA
'Tropicália' mostra movimento que marcou os anos 60
Recém-lançado em DVD e blu-ray, 'Tropicália' disseca o movimento que mudou a mentalidade musical do país nos anos 1960.
Publicado em 06/01/2013 às 8:00
Lisboa, agosto de 1969. Caetano Veloso e Gilberto Gil cantam ‘Alfômega’ em um programa de auditório em Portugal. A canção, do álbum Caetano Veloso (1969), é um dos sucessos do terceiro disco solo de Caetano, exilado na Europa com Gil, em decorrência do Regime Militar.
Ao final da canção, o apresentador português pergunta aos baianos: a música que eles faziam naquele momento, 1969, ainda poderia ser chamada de ‘Tropicalismo’? “O nome de um movimento só existe enquanto o movimento existe, e o tropicalismo não existe mais como um movimento”, responde, de pronto, Caetano.
É a partir desse recorte que o diretor Marcelo Machado dá início a um dos melhores documentários sobre música brasileira lançados até hoje. Tropicália (Brasil, 2012, Imagem Filmes), nas lojas, em DVD e blu-ray, desde dezembro, aborda o significado do movimento que revolucionou a estética e o pensamento sobre música – e arte, de uma maneira geral – no Brasil dos anos 1960.
Machado conta com depoimentos revisionistas de Caetano, Gil, Tom Zé, Rogério Duarte e, ainda, dos Mutantes Sérgio e Arnaldo Batista. As falas, gravadas nas ‘sessões’ em que esses personagens assistiram ao material de arquivo, vão se sucedendo em off para narrar como surgiu e como o Tropicalismo atuou no Brasil da pós-Bossa Nova, dos festivais da canção e do pesado Regime Militar.
O contexto político do país é costurado com habilidade. Da posse do presidente Costa e Silva, em 1967, à instituição do AI-5, que acabou por expulsar do país Gil e Caetano, os timoneiros do movimento musical, passando pela morte do estudante Edson Luíz no restaurante Calabouço, em 1968, o filme procura demarcar o ambiente onde o movimento surgiu.
O filme mostra, pela primeira vez, imagens que Nara Leão fez de Caetano defendendo ‘Alegria, alegria’ no Festival da Record, em 1967, Tom Zé e Torquato Neto assistindo ao show de lançamento do disco Tropicália, em 1968, e até uma canja que Gil e Caetano deram no famoso festival da ilha de Wight, na Inglaterra, em 1970.
Caetano recorda como o cinema e a música americana, assim como Roberto Carlos e Chacrinha, Terra em Transe, de Glauber Rocha, e a peça O Rei da Vela, de José Celso Martinez Corrêa, foram ingredientes fundamentais para o Tropicalismo. Também comenta, rapidamente, a importância da mana Bethânia para a consolidação daquelas idéias.
Através de imagens de arquivo, Hélio Oitica explica como sua obra ‘Tropicália’ acabou batizando o movimento e como sua arte se conectou com o cinema de Glauber e com o músico, artista gráfico e escritor Rogério Duarte.
“O que se diz a estética Tropicália era a única que comportava as minhas contradições em todos os níveis”, comenta o multimídia baiano que fez algumas das capas mais geniais daquela época.
O filme também revela como Caetano e Rogério Duarte “conspiraram” um repertório para Gal que transcendesse a Bossa Nova e a Jovem Guarda com a ajuda de Gil, um apaixonado pelos Beatles que se deixou envolver com a Banda de Pífanos de Caruaru em sua temporada no Recife (PE).
Todo esse movimento, através desses personagens, descambou na música que arrancaria aplausos de uns, seria vaiada por outros, mas que, indubitavelmente, trouxe mudanças profundas na arte brasileira.
Estão lá os festivais, e neles Os Mutantes de Rita Lee, Sérgio e Arnaldo Baptista. Desse fio surge a presença do maestro Rogério Duprat, um erudito que abraçou o rock de vanguarda do trio e se tornou uma figura importantíssima para a sonoridade tropicalista.
“De repente veio Rogério Duprat, uma figura frágil, e a primeira coisa que ele falou pra gente 'Eu detesto música!'. Eu achei aquilo maravilhoso”, depõe Rita Lee.
Através de Tom Zé, o filme também não esquece de Décio Pignatari e dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos, Torquato Neto e Capinam, e, ainda, a “força tropicalista” de Jorge Ben Jor.
Mostra como a televisão ajudou a catapultar o Tropicalismo e conclui essa nostálgica jornada de alegria, dor e saudade ao som de ‘Back to Bahia’, de Gil, pontuando a volta dos baianos ao Brasil.
Comentários