CULTURA
Um altar para Dyógenes
Mostra individual 'Ora Pro Nobis' do artista plástico Dyógenes Chaves será aberta nesta quinta-feira (4) e fica em cartaz até o fim do mês.
Publicado em 04/07/2013 às 6:00 | Atualizado em 14/04/2023 às 14:19
Dyógenes Chaves não é propriamente um homem de fé. "Considero a religião uma cegueira", declara o artista. Jesus Cristo e Maria, porém, ajudaram a dar à obra de Dyógenes uma dimensão alcançada por poucos: estampadas em camisetas, bolsas e até capas de CD, as versões dele para as imagens sacras ganharam vida fora das galerias.
Tal dimensão está presente em Ora Pro Nobis, individual que será aberta hoje, às 20h, na Usina Cultural Energisa, e fica em cartaz em João Pessoa até o fim do mês. Parte do projeto '10 Anos - 10 Exposições', a mostra traz 25 trabalhos em serigrafia de um profissional versátil, um dos principais curadores da casa que comemora este ano sua primeira década.
Aproveitando a data, Dyógenes revisita uma série que começou a ser criada em 1997, quando ele coletava material para uma outra exposição e se deparou com a imagem de Nossa Senhora em uma revista. Na época, Dyógenes dividia o ateliê com Margarete Aurélio, que fazia uma pesquisa em torno do universo das pin-ups, e a cantora Madonna participava do Oscar com o tema musical ganhador da estatueta naquele ano ('You must love me', do filme Evita).
As sugestões visuais se misturaram ('madonna', em italiano, designa a representação artística da Virgem Maria) e Dyógenes concebeu sua primeira 'santa' - uma gravura de um metro que teve repercussão imediata. "Ela agradou automaticamente porque o Brasil é um país muito católico", justifica o artista, que se surpreendeu com o fato de muitas pessoas não atentarem para o caráter irônico da peça. "Há uma santa ali mas poderia ser qualquer outra imagem. Minha intenção era me apropriar de coisas banais da mídia", explica.
Dyógenes conta inclusive que sua mãe, católica fervorosa da Ordem Terceira do Carmo, conserva uma de suas gravuras em um altar e pode jurar que, vez por outra, a obra modifica o olhar para ela: "A obra deixou de ser arte e passou a ser uma imagem na frente da qual as pessoas se benzem. A fé não enxerga a crítica a não ser quando 'perturbamos' a imagem, como quando um pastor evangélico chutou uma santa na televisão".
Apesar do sucesso da série cujo título remete ao estribilho latino "Orai por nós", Dyógenes garante que a exposição em cartaz irá marcar o encerramento de uma fase dedicada à serigrafia, processo que ele diz ter exaurido para começar a se debruçar sobre experiências em torno de outros suportes, como a fotografia e o vídeo. "Eu sempre achei que um artista, nos tempos de hoje, não pode tocar um só instrumento. Antigamente, conhecíamos um artista pelo suporte com o qual ele trabalhava: o pintor fulano, o escultor sicrano. Hoje, o artista é artista de fato e o suporte é só um detalhe".
Segundo Dyógenes, a nova fase vem suprir uma frustração antiga: "Eu costumo dizer que todo artista plástico é um cineasta frustrado. A gente trabalha com imagens estáticas e os cineastas com imagens em movimento. Quero trabalhar mais com outras mídias. Cinema, para mim, é tudo".
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