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CULTURA

Um estranho na literatura

Nova edição do 'Diário Completo' e 'Contos da Ilha e do Continente' do escritor mineiro Lúcio Cardoso serão lançados em outubro.

Publicado em 18/09/2012 às 6:00


O primeiro parágrafo da nova edição do Diário Completo (Civilização Brasileira, 772 págs., preço não definido). de Lúcio Cardoso questiona a existência de Deus. O último declara guerra à Minas Gerais.

Entre os dois pontos há mais de 700 páginas de escrita densa, sombria, atormentada, às vezes difícil, mas sempre fascinante.

São as mesmas características que encontramos em romances como A Luz no Subsolo (1936) e Crônica da Casa Assassinada (1959), que fizeram de Cardoso (1912-1968) um corpo estranho na literatura brasileira do século 20, ainda hoje não totalmente compreendido.

O centenário do mineiro de Curvelo, nascido em 14 de agosto, pode agora dar pistas que ajudem a desvendar, ao menos em parte, a esfinge. No começo de outubro, a Civilização Brasileira, do grupo editorial Record, lança dois volumes do escritor.

Contos da Ilha e do Continente, organizado por Valéria Lamego, reúne 27 contos e uma novela. Apenas dois deles já haviam sido publicados em livro anteriormente.

Já o Diário Completo, organizado por Ésio Macedo Ribeiro, traz a mais completa seleção dos textos íntimos escritos pelo mineiro e repara alguns enganos cometidos há mais de 40 anos.

Em 1960, Cardoso publicou Diário 1, que cobria os anos entre 1949 e 1951. Ele pretendia publicar outros quatro volumes, mas um AVC (acidente vascular cerebral) sofrido em 1962, no qual perdeu os movimentos do lado direito, interrompeu a série.

Em 1970, uma edição póstuma publicada pela José Olympio, também com o nome de Diário Completo, somou ao primeiro livro anotações datadas de 1952 a 1962.

Mas, longe do que indica o título, o livro ficou marcado por uma série de mal-entendidos. E nunca se soube quem foi o responsável pela organização dos textos.

Há trechos publicados duas vezes, outros com datas erradas e palavras trocadas. Cássia dos Santos, professora de PUC de Campinas, publicou em 2008 artigo apontando vários erros da edição.

Anos por meses
Um fragmento de 14 de agosto de 1952, por exemplo, foi publicado como sendo de 1955. No mesmo texto, a frase "Há três anos" foi substituída por "Há três meses".

"Minha hipótese é que o organizador adulterou as datas de vários trechos para preencher as lacunas, completar os 'buracos' decorrentes da perda de originais", diz ela.

Os problemas começaram a ser corrigidos há 2 anos, quando Ésio Macedo Ribeiro começou a vasculhar os manuscritos originais dos diários depositados na Fundação Casa de Rui Barbosa (RJ).

Ribeiro pesquisa a obra de Cardoso há quase 30 anos e lançou recentemente a Poesia Completa do autor, na qual também identificou erros e poemas falsamente atribuídos a ele.

Nas pesquisas, ele localizou um diário inédito escrito entre 1942 e 1947. Além dele, agrupou ao conjunto textos e colunas de jornal que tinham o mesmo perfil confessional.

Completa o volume uma entrevista dada por Cardoso em 1960, na qual ataca sua herança mineira. "No Brasil, nenhum escritor teve a coragem de se expor tanto", afirma o pesquisador.

Os textos registram as experiências artísticas, ideias políticas e reflexões filosóficas do autor. Morte, solidão e angústia são palavras frequentes em várias páginas.

As relações homossexuais ganham tratamento velado. Em vários trechos há referências a "X", suposto amante com quem ele teve um caso turbulento. O embate entre a formação católica e a opção sexual é um ponto central .

Também está presente o Cardoso polemista, que não se furtava a lançar críticas mordazes a autores como Nelson Rodrigues e Graciliano Ramos e ao Brasil
"Sem os diários, a leitura da ficção dele seria bem menos rica. Estão no mesmo nível da Crônica da Cassa Assassinada, do melhor que ele escreveu", diz Ribeiro.

Imagem

Jornal da Paraíba

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