CULTURA
Um xodó para sanfona
Antologia dupla em CD faz belo tributo a Dominguinhos e mostra versatilidadedo músico em sua produção nos anos 1970.
Publicado em 23/06/2013 às 10:00 | Atualizado em 14/04/2023 às 13:48
Em entrevista ao JORNAL DA PARAÍBA, em fevereiro deste ano, a cantora Elba Ramalho disse que tudo que Dominguinhos compõe tem um pouco dela, e tudo que ela canta tem um pouco dele. Artista proeminente em seus discos, não é de graça que a cantora aparece em quatro faixas da antologia dupla Dominguinhos é de Todos (Universal Music, R$ 35,00).
“Elba foi a principal intérprete de Dominguinhos”, afirma o produtor musical Rodrigo Faour, responsável pela seleção que compõe o CD que acaba de sair. “Enquanto a maioria das intérpretes gravou uma música dele, Elba gravou umas 20, além de ter feito um disco com ele (Baião de Dois, 2005)”.
Elba comparece em ‘Vem ficar comigo’ (retirada do LP Elba, de 1987), ‘Sem saída' (de Popular Brasileira, 1989) e no grande sucesso do encontro da cantora paraibana com o compositor pernambucano, ‘De volta pro aconchego’ (de Fogo na Mistura, 1985), além do raro dueto ‘Salve-se quem puder’ (de Fruto, 1988).
“Do ‘De volta pro aconchego’ para cá, pode ter certeza que todo disco de Elba tem uma música de Dominguinhos”, garante Faour. “Isso acaba sendo uma marca, como Bethânia teve com Chico (Buarque), Gal com Caetano...”.
O projeto surgiu quando, no começo deste ano, houve uma grande comoção em torno do estado de saúde do sanfoneiro pernambucano, internado há seis meses, mas se recuperando bem, de acordo com informações da filha, Liv Moraes, que no último dia 8 recebeu, do Forró Fest, o Troféu Asa Branca em nome do pai.
“Muita gente gosta das músicas dele, mas não sabem que são dele”, comenta Rodrigo Faour, que encabeça o álbum com a gerente de projetos da Universal, Alice Soares. “Dominguinhos sempre foi um cara super discreto, muito na dele, mas ele construiu uma obra muito interessante, seja como compositor, acordeonista e intérprete”, acrescenta o produtor musical.
Com a missão de ressaltar essas três qualidades, o CD compila 33 faixas, pinçadas, em sua imensa maioria, dos arquivos da Universal Music, que abrange o catálogo da Phillips por onde Dominguinhos lançou parte dos seus LPs nos anos 70. Esses álbuns, por sinal, permanecem inéditos no formato digital.
No primeiro CD de Dominguinhos é de Todos, batizado de ‘Todos Cantam Dominguinhos’, há 16 tributos ao mestre nascido em Garanhuns. Estão lá sucessos estrondosos na voz de grandes artistas: ‘Eu só quero um xodó’ (Gilberto Gil), ‘De amor eu morrerei’ (Gal Costa), ‘Tantas palavras’ (Chico Buarque, que assina a música com Dominguinhos), ‘Contrato de separação’ (Nana Caymmi) e ainda Maria Bethânia, Zizi Possi, Fafá de Belém, Tânia Alves, Angela Maria e Emílio Santiago.
Ainda nesse primeiro disco, há dois números ao vivo: ‘Pedras que cantam’, cujos versos “Quem é rico mora na praia / Mas quem trabalha nem tem onde morar” são mais associados ao cearense Fagner, mas aqui estão nas vozes de Zé Ramalho e Paulinho Moska, e a clássica ‘Isso aqui tá bom demais’, com o Trio Nordestino e Zeca Baleiro - ambos extraídos do CD Casa do Forró (1998) - e ainda um raro dueto entre Dominguinhos e Nara Leão (‘Chegando de mansinho’).
O segundo disco - ‘Dominguinhos Canta e Toca’ - é uma (ótima) coletânea de performances do músico. São canções que, reunidas, mostram a versatilidade do cantor e instrumentista. Estão lá clássicos em suas versões originais, como ‘Lamento sertanejo (Forró de Dominguinhos)’ ‘Chega, morena’ e ‘Tenho sede’ (com os arranjos progressivos, comuns na época), aproximações do sanfoneiro com o samba-rock (‘Eu vou de banda’), além de temas instrumentais (‘De Altamira a Campina Grande', ‘Tema de um sanfoneiro’ e ‘Saxofone, por que choras?’) e os duetos ‘Sete meninas’ (com Quinteto Violado) e o citado ‘Salve-se quem puder’ (com Elba).
Apadrinhado de Luiz Gonzaga (1912-1989), que ouviu o afilhado tocar pela primeira vez quando ele era pré-adolescente, e impressionado com o garoto, deu-lhe uma gorjeta de 300 mil réis (que garantiu o sustento da família por cinco meses) e, mais tarde, lhe presenteou com uma sanfona, Dominguinhos seguiu os passos do mestre, da simplicidade ao gosto de tocar o forró tradicional, passando pelos ‘causos’ que costumam rechear algumas músicas de seu cancioneiro.
“Mas Dominguinhos tem um outro lado, que é um lado sofisticado, do melodista inspirado”, pondera Rodrigo Faour. “Ele faz melodia que outros artistas populares não conseguem fazer. Se você pegar ‘Contrato de separação’, aquela melodia é uma melodia dissonante. É uma coisa super difícil de fazer”, comenta.
Para o produtor carioca, esse tipo de música mais sofisticada carece não só de inspiração, mas também de muita dedicação aos estudos. “Dominguinhos é um desses casos que, mesmo sem grandes estudos, desenvolveu uma sensibilidade musical muito grande e fez obras-primas, tanto populares, como ‘Eu só quero um xodó’, como outras mais sofisticadas, como ‘Coberta de razão’, ‘Dedicado a você’ e outras coisas assim”.
Se Dominguinhos é herdeiro legítimo do legado de Gonzagão, o autor de ‘Eu só quero um xodó’ deixará sucessores? “Eu acho que essa geração dos anos 40 é insubstituível”, responde Faour, de prontidão. “Infelizmente, ninguém deixa um sucessor à altura. Mas vai ter um pouquinho dele em vários que estão por aí, em Targino Gondim, em Cezzinha, que tem um timbre parecidíssimo com o de Dominguinhos”.
Rodrigo prossegue, para concluir: “Se Cezzinha fizer um trabalho bonito, poderá ser (um legítimo sucessor de Dominguinhos). Mas é muito difícil na MPB de hoje, quando tudo mudou, a forma de divulgar música mudou, a forma de consumir música mudou, as exigências dos ouvintes mudaram, dizer se haverá um sucessor para Dominguinhos”.
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