CULTURA
Uma mulher atemporal
Escritora Irene Dias Cavalcanti comemora a reedição de seus dois primeiros livros de poesia: Eu Mulher Mulher e Lirerótica.
Publicado em 04/04/2014 às 6:00 | Atualizado em 16/01/2024 às 15:22
A escritora Irene Dias Cavalcanti recusa-se a acreditar que vive em uma época em que o estupro, por exemplo, ainda pode ser considerado uma questão de "merecimento". "Eu às vezes me pergunto que mundo é este em que eu estou vivendo. Tenho para mim que eu não tenho idade porque ainda estou para nascer em um outro tempo", afirma a autora que, 40 anos depois, comemora a reedição de seus dois primeiros livros de poesia: Eu Mulher Mulher (1971) e Lirerótica (1974).
O lançamento do volume organizado pela Editora da UFPB que reúne as duas coletâneas de versos será hoje, às 19h, na sede da Academia Paraibana de Letras em João Pessoa. Na ocasião, as atrizes Amanda Auto, Alice Fernandes, Raquel Ferreira, Erica Maria, Eva Xavier, Cely Farias, Kassandra Brandão e Suzy Lopes apresentam a performance Somos Deusas Irenes, baseada em poemas das duas obras. A entrada é gratuita.
Em uma realidade em que a violência contra a mulher ainda persiste, Irene se lembra daqueles tempos em que sua poesia causou furor na província pela linguagem ousada. "Eu saía do Lar da Providência certa vez quando um cidadão me abordou e rasgou minha roupa aos gritos, perguntando se eu não tinha vergonha na cara por escrever o que eu escrevia e colocar as 'nossas mulheres' no mau caminho", conta a poetisa.
FORTUNA CRÍTICA
Irene lançou as primeiras edições de seus poemas por uma pequena editora do bacharel em Direito Valdez Juval da Silva e foi acolhida por intelectuais como Virginius da Gama e Melo, que assinou os prefácios das duas obras, e Juarez da Gama Batista, que colaborou com um texto de apresentação de Lirerótica. O material está presente na íntegra na edição atualizada, junto com anexos como textos em prosa da autora e das pesquisadoras Roselis Batista Ralle, Myrna Agra Maracajá e Cristina Guedes.
Fora do âmbito intelectual, porém, Irene Dias Cavalcanti era considerada "idecente" por utilizar, em sua poesia, palavras que até então estavam restritas ao âmbito dos compêndios biológicos. "Infelizmente eu tenho notado que algumas pessoas ainda ficam chocadas com isso", revela. "Imagine então como era numa época em que os homens atravessavam de rua para mudar de calçada quando viam passar uma mulher grávida."
As ideias avançadas de Irene Dias Cavalcanti foram herdadas da mãe, Francisca Bezerra, que conciliou a criação de 13 filhos com o trabalho na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, em um contexto no qual o machismo não encarava com bons olhos o fato de as mulheres trabalharem fora do lar. "Eu nunca fui contra o homem. Costumo dizer que eu só existo porque existe o homem", diz ela, citando quase que literalmente a estrofe de abertura do segundo poema de Eu Mulher Mulher.
"Entretanto, sou absolutamente contra o machismo. O homem é o ser mais belo e forte que existe na natureza. Uma pena que muitos sejam criados em um ambiente em que têm que mostrar virilidade e dominância."
Afastada atualmente da poesia, Irene Dias Cavalcanti está se dedicando ao romance. "Eu não sei nem explicar o porquê de eu ter deixado de escrever poesia", declara. "Acho que eu já disse o que pensava na poesia. Agora eu tenho histórias para contar". Ela está com seu quarto romance no prelo, O Palhaço Azul, e outro que está preparando no momento, A Dor das Cigarras.
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