CULTURA
'Unicalidade' poética em Leminski
Autor de polêmica biografia sobre Leminski lembra 70 anos de nascimento do poeta.
Publicado em 23/08/2014 às 6:00 | Atualizado em 08/03/2024 às 17:44
Em um sonho, o poeta Paulo Leminski (1944-1989) aparece para Domingos Pellegrini. Enquanto mexe uma sopa num caldeirão, Leminski provoca o amigo: “Você não vai escrever uma biografia comum sobre mim, não é?”. Pellegrini acorda no meio da noite e começa a escrever o relato que deu origem a Minhas Lembranças de Leminski (Geração Editorial, 200 páginas, R$ 34,90), biografia que está nas livrarias e é leitura para amanhã, quando o paranaense comemoraria 70 anos de nascimento.
Vetada pelas herdeiras de Leminski (a viúva Alice Ruiz e as filhas Aurea Leminski e Estrela Ruiz Leminski), que Pellegrini considera "as últimas censoras da República", a biografia "não convencional e poética" mexe com temas delicados da trajetória do 'samurai malandro', como o alcoolismo e sua opção quase monástica por uma vida humilde.
"Elas queriam que eu fizesse uma biografia chapa branca", dispara Pellegrini, em entrevista por telefone. "Alegaram que eu enfatizava a questão da bebida, quando eu não só devia enfatizá-la como acho que enfatizei menos do que devia.
Leminski dedicou-se a vida inteira a três coisas: ler, escrever e beber. Durante três décadas. Quanto a viver pobremente, não acho isso um desabono. Era um mérito do Paulo, que era um cara simples e frugal por opção, absolutamente despojado das coisas do mundo e cujo guarda-roupa dava para caber em uma mala."
No ano passado, tanto Pellegrini quanto o jornalista e escritor Toninho Vaz (autor de outra biografia sobre Leminski: O Bandido que Sabia Latim), tiveram suas publicações desautorizadas pela família, segundo nota oficial divulgada à imprensa, "pela inclusão de trechos (...) que violam a intimidade e honra do poeta". Não houve nenhuma ação judicial, porém, e ambos os textos estão disponíveis (o de Vaz, em edição original, publicada pela Record em 2001).
Falando da obra de Leminski, cujo Toda Poesia (2013) é um fenômeno póstumo de vendas, Pellegrini compara o bigodudo a Augusto dos Anjos (1884-1914), de quem ele era, segundo o biógrafo, "admirador doente": "Paulo Leminski e Augusto dos Anjos são os dois maiores poetas de massa do Brasil, pela qualidade e visão de mundo únicas. São conhecidos, lidos e decorados: 'decorar', palavra cuja etimologia latina remete a 'core', que é 'coração'."
Para Leminski, Pellegrini cunhou um termo específico para descrever uma poética tão característica: a 'unicalidade'.
"Leminski era um cara absolutamente verdadeiro e sincero. Não fazia pose de intelectual, mas era um intelectual não apenas autêntico como único. Tinha uma forma única de encarar a poesia, a linguagem e a vida."
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