CULTURA
Universo pop particular
Unindo diversas referências em um trabalho plural, 'Na Medida do Impossivel', é o novo disco solo da cantora Fernanda Takai
Publicado em 21/03/2014 às 6:00 | Atualizado em 11/01/2024 às 18:44
Padre Zezinho, Reginaldo Rossi, George Michael, Samuel Rosa, Pitty, Zélia Duncan e Marina Lima se encontram no novo disco de Fernanda Takai, Na Medida do Impossível (Deck Disc/Natura Musical), já disponível no iTunes e demais sites de venda digital e com o CD à caminho, para estar nas lojas na próxima semana.
A liga que une referências tão plurais e um punhado de parceiros tão diversos é o gosto e a personalidade de Fernanda Takai, cantora, compositora e escritora que nasceu no Amapá, cresceu na Bahia e, aos 8 anos de idade, se mudou em definitivo para Belo Horizonte (MG), onde montou o Pato Fu, casou com o colega de banda, John Ulhoa, e teve uma filha.
Nesse percurso, Fernanda Takai cresceu ouvindo as canções que os pais ouviam, o que a rádio de Jacobina e Salvador tocavam e as músicas religiosas que o colégio de padres, onde estudava em BH, ensinava. Mais tarde, adolescente nos anos 80, cairia de amores pelo pop eletrônico do Duran Duran, New Order e Everything But The Girl, além de se amarrar no rock da Blitz.
Essa bagagem, já decantada no Pato Fu - que segue em plena atividade -, ganha cores ainda mais nítidas no quarto trabalho solo da mineira mais baiana de Serra do Navio, um disco formado por versões para sucessos internacionais, hits da Jovem Guarda, composições próprias e parcerias inéditas.
“Só pelo fato de ser um disco meu e eu ficar na cola do John (que assina a produção) para suavizar tudo, naturalmente (a sonoridade) já sai menos Pato Fu”, responde Fernanda, por telefone, ao ser perguntada se havia um certo policiamento para não soar Pato Fu em sua carreira solo.
“Quando você sobrepõe um trabalho solo meu, como esse, e um disco do Pato Fu, como Televisão de Cachorro (1998) ou Ruído Rosa (2001), você vê claramente como o Pato Fu tem mais acidez, tem mais guitarras, como os temas são diferentes, tem um pouco mais de experimentação. Eu sou uma pessoa que sempre opto por um caminho mais pop”, acrescenta.
A miscelânea do repertório de 13 faixas inclui Benito de Paula (‘Como dizia o mestre’), Marcelo Bonfá (‘De um jeito ou de outro’, numa pegada New Order), Trio Ternura (‘Liz’), uma única faixa em inglês, ‘You and me and the bright sky’ (do norte-americano Charles ‘Cholly’ di Pinto, que ganhou um belo videoclipe), e versões em português para músicas de Julieta Venegas e George Michael.
‘Dulce compañia’, de Julieta, virou ‘Doce companhia’, e abre o CD. ‘Heal the pain’, tremendo sucesso radiofônico no começo dos anos 90, deu origem a ‘Pra curar essa dor’, versão assinada por John Ulhoa e cantada em dueto com Samuel Rosa.
“(Essa música) tem uma versão matadora do George Michael com o Paul McCartney. Então eu falei: a gente tem que fazer o nosso dueto com o top do pop de Minas e o Samuel é um cara que não tem um correspondente vocal no Brasil. Ninguém imita o Samuel. Ele tem uma voz única e muito pop. Tinha que ser ele”.
Fernanda foi mais longe: ‘Pra curar essa dor’ reúne o maior encontro de “mineiros” desde que o Clube da Esquina se juntou, já que a gravação conta com Fernanda e John (Pato Fu), Samuel (Skank), o baixista PJ (Jota Quest) e o baterista Glauco Nastácia (Tianastácia) – com exceção de Samuel, todo o restante toca nas outras faixas do disco.
Outra convidada de luxo do álbum é a cantora Zélia Duncan. No disco, Fernanda e Zélia retomam o dueto que fizeram no carnaval do Recife em 2011. Lá, as duas levaram o público ao delírio numa versão frevo para ‘Mon amour, meu bem, ma femme’, música lançada por Reginaldo Rossi (1944-2013) em 1972.
O arranjo, aqui, é bem diferente. Com citação instrumental ao clássico francês 'La vie en rose', Fernanda diz que procurou dar à 'Mon amour' dignidade para a música, distanciando-a do rótulo ‘brega’. “A gente queria romper essa barreira de que o popular não pode ser gravado. O popular bom, igual a esse, pode sim. Não o popularesco, as músicas rasas que as criancinhas ficam cantando hoje em dia. Esse aí eu não endosso não”.
Também foi com o pensamento de dignificar o grande sucesso de Leno em 1968 que ela regravou ‘A pobreza (Paixão proibida)’, dando-lhe violões inspirados nos faroestes musicados por Ennio Morricone. “Eu não queria pegar ‘A pobreza’ e fazer dela uma baladinha voz-e-violão, coisa que outras pessoas já fizeram”, comenta Fernanda. “Queria que ela ganhasse um outro status, tirando-a de um ambiente ingênuo e trazendo riqueza para ela através dos arranjos”.
Fernanda também ressalta a beleza da letra de ‘A pobreza’, sobre um rapaz pobre que se apaixona por uma menina rica, com contornos shakespeareanos. "O texto dela é muito bonito, muito ingênuo, e hoje as pessoas fazem pouco isso, como tem em ‘A pobreza’ e ‘Liz’. Parece que agora não pode mais falar de amor desse jeito. Tem que ser de uma maneira violenta, sexual".
CD SOBRE RELACIONAMENTOS
O terceiro convidado do disco é o padre Fábio de Melo. Ele canta com ela ‘Amar como Jesus amou’, lançada pelo Padre Zezinho em 1974. A canção foi ensinada a Fernanda ainda na escola católica onde estudava, em BH. “Foi com essa música que eu toquei violão em público pela primeira vez”, recorda.
A canção ganhou um embalagem pop eletrônica surpreendente, com bases gravadas pelo japonês Toshiyuki Yasuda, especialista em músicas inspiradas em jogos de videogame de 8 bits, tipo Nintendo.
“Essa faixa (do padre Zezinho) não poderia ser tradicional. Eu não poderia gravar essa música sem ter uma razão de ela existir. Outras pessoas já gravaram essa música, o padre Marcelo Rossi já gravou”, justifica. “Chamar o Padre Fábio para ele cantar uma versão super moderna dessa musica têm a ver com o fato de termos um papa como Francisco. Esse é um papa muito legal, é o papa mais humano que apareceu nos últimos anos”, acrescenta.
Da seara autoral, o disco conta com duas parcerias inéditas: ‘Seu tipo’, letra que Fernanda começou a escrever e Pitty terminou; e ‘Quase desatento’, que Marina Lima trabalhou em cima dos versos do poeta Climério Ferreira.
‘Partida’, canção melancólica assinada solitariamente por Takai, é a penúltima faixa do CD, que encerra com ‘Depois que o sol brilhar’, tocante versão de Zélia Duncan para ‘Mary’, canção do francês Yann Tiersen, responsável pela trilha de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain.
“Ele é um disco sobre relacionamentos”, sintetiza Fernanda Takai, “é sobre as dificuldades (da relação) ou dos encantamentos – ‘Doce companhia’ é um momento de revelação, de entrega; ‘De um jeito ou de outro’ é o amor não correspondido; ‘Liz’ é (sobre) abandono, incerteza e tem a minha própria música (‘Partida’), que fala do cotidiano, que é bem difícil”, explica. “O melhor disso tudo é administrar os dias ruins e saber que vale a pena continuar”, conclui.
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