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CULTURA

Vão-se os anéis, ficam os dedos

Em entrevista ao JORNAL DA PARAÍBA, Ricardo Lísias fala sobre o seu mais recente livro, o polêmico 'Divórcio'.

Publicado em 08/09/2013 às 12:00 | Atualizado em 14/04/2023 às 17:23

Diante da Sexta Corte do Tribunal do Sena, Flaubert assumiu: “Emma Bovary sou eu.” Para Saramago, “o narrador não existe, quem existe é o autor, que tem uma história na cabeça e quer passar ao papel”. Entrevistar Ricardo Lísias é esforçar-se para esquecer momentaneamente de tudo isso. Ricardo, personagem e narrador de Divórcio (Alfaguara, 240 páginas, R$ 39,90), não é o mesmo Ricardo, autor do romance sobre um casamento que naufraga, quarenta dias após a cerimônia, abalado pela descoberta de um diário da ex-esposa.

Se um é capaz de se incomodar com a suposição de um jornalista de que seu texto não passe de mera ficção, e admita a “raiva de ser obrigado a levar essa história pelo resto da vida”, o outro não hesita em esclarecer: “O meu livro é um romance, portanto tenho sobre ele as mesmas reações que tive sobre os outros. Não haverá nenhum incômodo se eu precisar comentá-lo daqui a 30 anos ”, como escreve, por e-mail, ao JORNAL DA PARAÍBA.

O paulistano de 38 anos comentará literatura, e saberá do que está falando: autor de outros quatro romances, finalista do Prêmio Jabuti de 2008, Lísias é doutor no assunto pela Universidade de São Paulo (USP), professor de criação literária e tradutor. Não se surpreenda se encontrar seu nome perdido entre fóruns de xadrez, esporte tema de ‘Tólia’, conto publicado ano passado na Granta, revista que o escolheu como um dos 20 melhores jovens escritores brasileiros.

“É provável que eu abandone a literatura ainda muitas vezes”, afirma Lísias, respondendo sobre ‘Tólia’, texto no qual o protagonista deixa a literatura para se dedicar ao tabuleiro. O conto é um dos textos citados em Divórcio e um dos dados trazidos de uma ‘realidade’ da qual ele faz questão de dissociar não apenas a sua obra, mas a própria literatura: “Não acredito que a literatura trate da ‘realidade’. Acho que a literatura é um efeito de trabalho com a linguagem e a linguagem infelizmente é uma ferramenta muito pobre, como muitos autores e artistas do século 20 já mostraram”.

LITERATURA E CIRCO

Ricardo, narrador de Divórcio, narra também O Céu dos Suicidas (2012), livro anterior de Ricardo, o autor, sobre o suicídio de André, personagem citado também no novo livro. Divórcio começa quando Ricardo sai de casa, carregando em uma mochila o pen-drive com o material prévio de O Céu dos Suicidas e a cópia xerocada do diário da ex-mulher, uma famosa jornalista de cultura. Ele se muda então para um “cafofo” inicialmente alugado para abrigar parte da coleção de 12 mil livros que não cabia no antigo espaço.

A história passeia (ou corre, como o protagonista que começa a se refazer do trauma treinando para a Corrida de São Silvestre) pela noite paulistana e pelo tapete vermelho do Festival de Cannes, a partir de trechos do diário da ex-mulher em que ela relata a cobertura jornalística que fez do evento.

Se a “linguagem” é o material do escritor, a “realidade” é o material do jornalista. E o narrador, em uma trama que alcança até o fiasco do cineasta Lars von Trier diante das câmeras, declarando que compreendia Hitler, é implacável com os jornalistas e o ambiente de circo armado nas redações pela imprensa.

Lísias também já esteve no centro deste picadeiro. “No geral, não tive problemas maiores dos que eu imaginava”, diz ele, sobre a cobertura dada ao lançamento. “A ética (ou a falta dela) que pode envolver o trabalho de determinado jornalismo ficou afastada das perguntas. Do mesmo jeito achei curioso muitos jornalistas se irritarem quando explico que por ser um livro de ficção, meu romance não pode suportar uma relação com a ‘realidade’. Alguns jornalistas não conseguem se manter longe da fofoca, é algo forte demais para eles, como eu consigo, causo alguma irritação. Mas no geral achei tudo normal e morno.”

Em certa altura, fotos também compõem a narrativa, que remete à genealogia de um personagem distante do pai e intrigado com relação ao passado remoto da família. “A minha impressão é a de que as fotos servem para cobrir os lapsos de memória que o narrador descreve. Acho que as fotos oferecem a ele alguma segurança.” Se estas recordações poderão render material futuro? “Ainda não decidi a qual dos meus projetos ficcionais darei um andamento mais intenso agora, então não sei o que vou publicar em um futuro próximo.”

LEITOR E TRADUTOR

Metódico, Lísias descreve sua experiência com a literatura nos muitos universos pelos quais ele transita. Como leitor, confessa que acompanha com menos afinco a literatura dos seus pares e cultiva poucas manias: “Faço muitas anotações às margens do livro ou, dependendo do tipo de texto, em cadernos. Meus autores preferidos são os que mais procuro ter. Então, tenho bastante coisa do Samuel Beckett, James Joyce, Kafka, Proust, Herta Muller, etc.”

Já como escritor, uma certa sistematização aflora: “Trabalho por tarefas. A última é sempre ordenar o que vou fazer no dia seguinte. Então, vejo se tenho o material que preciso (se for uma pesquisa, livros e o computador, por exemplo) e deixo tudo pronto. Às vezes faço apenas revisões de texto que já escrevi, aí preciso deixar impresso, coisas assim. Gosto de trabalhar de forma ordenada e com planos bem definidos. Na maior parte das vezes eles serão mudados, mas acho que assim é melhor do que não ter nenhum plano.”

No que diz respeito à tradução, Lísias aguarda a publicação de O Livro dos Mandarins (2009) pela editora espanhola Adriana Hidalgo. Segundo ele, há ainda outras negociações em andamento. “Mas as publicações só serão autorizadas se as condições forem boas e respeitosas”, complementa, criticando a postura de alguns dos seus colegas: “Há muitos escritores brasileiros aceitando condições ruins apenas para ter o livro publicado em outra língua. Não quero fazer parte disso.”

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Jornal da Paraíba

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