Opinião: Há isonomia entre mulheres e homens quando se trata de tributação?

Em artigo, especialistas apontam formas implícitas e explícitas de desigualdade tributária por gênero no país.

Foto: Divulgação

Em que pese conste na Constituição de 1988, em seu artigo 5º, inciso I, que homens e mulheres são iguais em direitos e em obrigações, esse não é o cenário atual no Brasil no que se refere ao pagamento de tributos.

Há formas implícitas e explícitas de desigualdade tributária por gênero no país e uma delas se dá pelo fato de que a tributação no Brasil é maior para o consumo do que para a renda. Isso se torna um problema porque, conforme os dados divulgados pela FGV-SP, a média salarial das mulheres é inferior à dos homens, de modo que mulheres entre 25 e 49 anos de idade percebem remuneração em torno de R$ 2.050, o que corresponde a 79,5% do recebido pelos homens, isto é, R$ 2.579. Por este aspecto já se pode adiantar que, apesar de ambos os sexos consumirem os mesmos itens essenciais à uma vida digna como alimentos, produtos de higiene e medicamentos, só pelo fato de a tributação sobre a renda ser menor do que a tributação sobre o consumo, por possuir maior salário e, consequentemente, maior renda, os homens acabam com capitais menos afetados pela incidência tributária.

Outra forma de desigualdade no âmbito da tributação — dessa vez implícita — percebe-se pela Pink Tax, ou Taxa Rosa, em português. Conforme a professora de direito do consumidor Flávia Marimpietri, a taxa rosa é um fenômeno mercadológico apoiado em técnicas de marketing e de design que torna os produtos femininos mais caros que os produtos masculinos, ainda que se tratando de produtos iguais. Esse fenômeno é pouco percebido pela população e seu desconhecimento permite que empresas utilizem táticas abusivas para aumentar o preço de produtos que são propositalmente destinados ao público feminino. Em 2015, o Departamento de Consumer Affairs (DCA), da cidade de Nova Iorque, realizou uma pesquisa na qual 800 mercadorias foram analisadas e divididas em 35 categorias, de modo que as mulheres ficaram em desvantagem em 30 dessas categorias, constando que os produtos voltados para elas são mais caros em 42% dos casos. No ano de 2018, a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) realizou uma pesquisa comprovando que itens que possuem a cor rosa ou que possuem personagens femininos são, em média, 12,3% mais caros que os produtos direcionados ao público masculino, a exemplo de lâminas, de canetas e de roupas.

Para os produtos que não têm versão masculina os resultados são mais alarmantes. Segundo informações do Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo, o absorvente higiênico possui uma carga tributária em torno de 34,5%, sendo ela dividida entre ICMS, PIS e COFINS. Embora o valor do absorvente possa parecer baixo para algumas pessoas, a realidade brasileira mostra que muitas mulheres sofrem da chamada pobreza menstrual e por isso não possuem condições financeiras para comprá-lo. A marca de absorventes “Sempre Livre” divulgou em sua página, que 4 em cada 10 mulheres convivem com a pobreza menstrual, de modo que muitas delas utilizam produtos contraindicados para absorver a menstruação, como miolo de pão, filtro de café e meias. A pobreza menstrual traz inúmeros malefícios para a sociedade, dentre eles, o da evasão escolar, uma vez que meninas e adolescentes precisam faltar às aulas durante o período menstrual porque não são amparadas com absorventes higiênicos.

Reconhecendo esta situação, alguns estados brasileiros estão propondo medidas para seu enfrentamento, a exemplo do Distrito Federal, que promulgou uma lei prevendo a distribuição de absorventes nas escolas de rede pública de ensino, bem como a distribuição nas Unidades Básicas de Saúde. Assim como, o Estado do Rio de Janeiro, em julho de 2020, sancionou a lei 8.924, responsável por alterar a lei estadual n° 4.892/2006, que versa sobre os itens existentes na cesta básica, incluindo o absorvente higiênico feminino entre os itens da cesta básica.

Em outubro de 2021, no Estado da Paraíba, a Secretaria da Mulher e da Diversidade Humana divulgou que está estruturando, em conjunto com as Secretarias de Desenvolvimento Humano, de Saúde e de Educação, o programa intitulado “Dignidade Menstrual na Paraíba”, cuja regulamentação de lei já foi iniciada e pretende fornecer absorventes higiênicos e coletores menstruais para cerca de 700 mil pessoas, dentre elas, adolescentes, mulheres e homens trans.

Na tentativa de nacionalizar esses programas, a deputada Marília Arraes, juntamente com outros deputados, apresentou o Projeto de Lei n° 4.968/2019, que visava instituir o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. Nesse programa, o principal intuito era o fornecimento gratuito de absorventes para pessoas de baixa renda, dentre elas, para estudantes de baixa renda matriculadas em escolas de rede pública de ensino. Esse projeto de lei foi aprovado pela Câmara dos Deputados, bem como pelo Senado Federal, mas foi vetada, em outubro de 2021, pelo presidente Jair Messias Bolsonaro. Uma das justificativas do presidente residia no argumento de que esse programa não indicava a fonte de custeio para funcionamento, ferindo, assim, a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Entretanto, no texto original aprovado pelo Congresso Nacional, a fonte de custeio indicada eram as dotações anuais fornecidas pela União ao funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS).

Mesmo com avanços postos pelos estados federados, o Brasil carece de uma política tributária nacional mais justa que garanta a igualdade e que proporcione melhor dignidade para as mulheres.

*Ana Paula Basso é professora da Univerisdade Federal da Paraíba, membro do Instituto de Pesquisas Fiscais (IPF) e líder do Grupo de Pesquisa Direito Tributário e suas Repercussões Socioeconômicas (GPEDTRS);
**Isabela Dativo Sena é estudante da Universidade Federal da Paraíba e membro do Grupo de Pesquisa de Estudo de Direito Tributário e suas Repercussões Socioeconômicas (GPEDTRS)