ECONOMIA
Artigo: Liberdade religiosa e a extensão da imunidade tributária
Professora comenta a questão do pagamento de impostos por parte das igrejas
Publicado em 10/04/2021 às 7:01
A imunidade religiosa está prevista no artigo 150, VI, da Constituição Federal, em sua alínea “b”, dispondo que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, instituir impostos sobre templos de qualquer culto. Primeiramente, cumpre destacar que a imunidade se refere a espécie tributária “impostos” e não alcança, estritamente, o templo, mas a entidade mantenedora deste, que é a igreja.
O intuito da imunidade é assegurar a livre manifestação de fé das pessoas e que desta forma, os entes tributantes não dificultem, com o uso de impostos, o exercício da crença. Conforme afirma o tributarista Roque Antonio Carrazza, a imunidade religiosa decorre da separação entre a Igreja e o Estado, que foi estabelecida com a Proclamação da República, fazendo surgir o Estado Laico, instituindo que o Brasil não tem religião oficial.
Importa dizer, ainda, que sob o manto da fé, não sejam praticados atos de comércio ou haja animus lucrandi sem finalidade benemerente. Caso assim aconteça, a tributação é devida.
O tema sobre a tributação no âmbito das igrejas foi levantado, novamente, nesta semana, quando o Estadão/Broadcast teve acesso a uma planilha detalhada de tributos devidos pelas igrejas. O Estadão reverberou sobre a Receita Federal ter verificado que as instituições religiosas estavam distribuindo parcela dos lucros obtidos com o dízimo dos seus fiéis, afastando a imunidade para realizar a respectiva cobrança tributária. Segundo dados do Estadão/Broadcast, os valores devidos pelas igrejas estão em R$270,8 milhões de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e R$ 101,9 milhões em Imposto de Renda Retido na Fonte (que foram descontados dos empregados e não repassados à Receita).
Outra informação a destacar, é que a imunidade religiosa não abarca a espécie tributária contribuições, sendo neste caso, também conforme dados do Estadão/Broadcast que a dívida de PIS/Cofins destas instituições está em 125,9 milhões e em R$ 90,4 milhões de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Bem como, foi informado que há débitos de FGTS, contribuições ao Sistema S e salário-educação. Os valores apurados consideram somente cobranças sob a responsabilidade da Procuradoria-Geral da Fazenda, não estando incluídos os débitos que estariam em trâmite na Receita Federal, na fase administrativa.
Dentro deste contexto de tributação no âmbito das entidades religiosas, as cobranças previdenciárias motivam um forte debate entre o Fisco Federal e as instituições religiosas, estima-se 1 bilhão de débito previdenciário não especificado, que pode ser parcela devida pelo empregador quanto a parte recolhida em nome do empregado. Uma das questões suscitadas refere-se à prebenda, que é o valor recebido pelo pastor ou líderes do ministério religioso por seus serviços, que, salvo melhor juízo, pela lei não configura a hipótese de remuneração, não cabendo a incidência da contribuição previdenciária. No entanto, o texto legal também menciona que tal pagamento seja no valor fixo, sem parcela variável conforme a natureza ou quantidade de trabalho executado. De acordo com o noticiado, a fiscalização da Receita Federal constatou que nos últimos anos as igrejas teriam se valido para distribuir participação nos lucros e pagar a remuneração variável de acordo com o número de fiéis e conforme a localidade do templo. Desta forma, o Fisco passou a lançar autos de infração e cobrar das igrejas os tributos devidos com multas e encargos sobre a parcela variável da prebenda.
Mas as tentativas de legitimar os valores recebidos não ficaram restritas ao processo administrativo fiscal. Relembre-se que, no ano passado, tramitou no Congresso Nacional a aprovação de uma lei para derrubar todas as fiscalizações que tinham como objeto a cobrança previdenciária sobre a prebenda. Esta lei livrou a prebenda de cobranças do fisco e ainda reconheceu a isenção da CSLL. Depois de aprovada a lei, o intento de ampliar o afastamento de incidência tributária no âmbito de entidades religiosas segue, por alguns representantes do legislativo, na reforma tributária, que propõem a imunidade religiosa para qualquer cobrança incidente sobre propriedade, renda, bens, serviços, insumos, obras de arte e até operações financeira, incluindo remessas ao exterior.
Tal situação relatada sobre a fiscalização e cobrança de tributos de responsabilidade das entidades religiosas por parte da Receita Federal, foi objeto de representação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), como órgão competente de controle externo. Tal representação requer a tomada de medidas que se fazem importantes para apurar “se estaria ocorrendo desídia administrativa de autoridades que eventualmente estariam refletindo em leniência nas atividades – à cargo da Receita Federal e Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – de cobrança de impostos e contribuições sob a responsabilidade de entidades religiosas”. Estes são os termos iniciais da representação apresentada em 06 de abril de 2021, formulada pelo Ministério Público.
Na mencionada representação, está transcrita parte da notícia publicada no site do Estadão de 05 de abril de 2021, que parece ser oportuno refletir sobre a questão que é levantada pelo economista Rodrigo Orair, ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado. Segundo ele, uma coisa é não tributar prestação de serviços não mercantis, outra coisa é isentar a contribuição previdência. O afastamento está alcançando contribuições previdenciárias de líderes religiosos (que é para custeio de benefício social revertido para a própria pessoa). Neste último ponto, arremata o economista “a sociedade arcará com a aposentadoria deles por longos anos sem que eles tenham contribuído”.
Importa avaliar, nesta conjuntura, que a imunidade protege a manifestação da crença da ingerência do Estado. A análise deve ser vista sob este prisma, e o patrimônio, a renda e os serviços precisam ser relacionados às finalidades essenciais da entidade imune. Com efeito, se o Estado está limitado a intervir com a intervenção positiva da tributação, por sua vez, diante das dificuldades orçamentárias, é complexo e anti-isonômico falar no Estado patrocinador das entidades religiosas, cuja imunidade tributária, buscou assegurar a independência destas instituições frente o Estado. Concessões e expansões de benefícios, incluindo perdões de dívidas tributárias, que resultam em renúncia de receita, dentro de um contexto de “calamidade” do orçamento público federal, revelam-se bastante ameaçadores para a sociedade e podem embaralhar a relação entre Estado e Religião.
*Professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e diretora-fundadora do Instituto de Pesquisas Fiscais (IPF).
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