“Posso dizer que essa história começa com um caso de amor”. É assim que Maria Júlia, proprietária do Engenho Triunfo, conta a história com a cachaça. “Nessas conversas de namorado, na cidade do interior pequenininha, ele me disse com muita determinação que um dia ia ter um engenho para fazer a melhor cachaça de Areia”, conta Maria Júlia sobre o início da relação com o esposo. Antes da pandemia, o engenho vendia cerca de 250 mil garrafas de por mês. Com a mudança de comportamento após a disseminação do vírus, a estrutura de venda também mudou, mas a produção segue alta, vendendo mais de 70% das vendas anteriores.
Maria Júlia é uma das mentes pensantes do negócio. Quando se fala em cachaça, ela é o primeiro nome que temos acesso, seja no turismo, seja no comércio. Faz pela família e pelo sonho, mas faz, principalmente, pelos outros, pela independência financeira de quem dedica parte do dia a fazer o engenho crescer.
Onde há tanto valor simbólico e histórico, é sempre possível enxergar algo mais. Foi o que ocorreu com Maria Júlia em 2006. Sempre apaixonada pelo processo de produção da cachaça, e depois de um percurso já árduo que percorreu com o início da produção e do sonho dela e do marido, Maria Júlia escolheu não esconder o passo a passo dessa cadeia produtiva e expandiu a cachaça para diversos segmentos turísticos.
Hoje, os engenhos são um núcleo econômico e social com sua história e natureza em volta.
Em 2006, Maria Júlia pediu exoneração do emprego e foi trabalhar no engenho junto com o marido. No decorrer do tempo, criou um ambiente aconchegante para os visitantes, com locais para contemplação, aventura, diversão e degustação.
Quando mudaram para a propriedade atual, em 2018, melhoraram o acesso e o fluxo turístico. “Resolvi fazer outros atrativos para que isso realmente se tornasse um parque de ambiente para as famílias”, destaca Maria Júlia.
Engenho, hotel e atrações turísticas se misturam e transformam a cachaça muito mais do que um produto fim: é início de uma cadeia produtiva e meio de economia que se sustenta em um mercado em crescimento.
História do engenho
A história do engenho é um misto de empreendedorismo e amor. Tudo começou em 1994, quando Antônio Augusto recebeu por herança uma fazenda. Apesar de não ser filho de nenhum Senhor de Engenho nem ter os conhecimentos necessários para fabricar cachaça, ele tinha um sonho. Vendeu a fazenda e comprou uma pequena moenda e um alambique, dando, portanto, os primeiros passos. Maria Júlia, esposa e participante ativa do sonho, provou muita cachaça ruim.
Depois de muito aprimoramento e, agora, com uma boa cachaça, iniciava-se um novo ciclo, era hora de fazer o produto chegar à boca do povo. Começaram a produzir em uma certa quantidade e as primeiras garrafas eram do tipo pet. Acabaram fazendo um grande estoque de cachaça, pois não conseguiam vender quase nada. Sem recursos financeiros, Antônio Augusto inventava as próprias máquinas e chegou a recusar diversas propostas de financiamento oferecidas por gerentes de bancos locais. Maria Júlia tinha dois empregos diurnos e, à noite, junto com os quatro filhos do casal, ajudava a engarrafar a cachaça que mais tarde seria vendida.
O tempo foi passando, as vendas ainda não estavam como desejadas, mas as garrafas já eram de vidro e com rótulo personalizado com uma foto da cidade de Areia. Com a demanda crescendo, era preciso investir em infraestrutura e máquinas.
Com o passar do tempo, as vendas foram aumentando e novos investimentos foram feitos, dessa vez em máquinas maiores e melhores.
Atualmente, o engenho recebe cerca de 1500 visitantes por mês, vindos de todo o Brasil e até do exterior. As pessoas podem conferir de perto todo o processo de fabricação da cachaça, conhecer a lojinha e os produtos, degustar as cachaças e os sorvetes de frutas tropicais com leve toque da cachaça, além de apreciar as belezas do lugar.
A cachaça mudou a vida da família de Maria Júlia. Mas o turismo mudou a vida da cidade. "Até 2006 eu posso te dizer que a minha pequena e linda cidade de Areia produzia a riqueza tão somente com cana de açúcar para vender às usinas do Litoral. Hoje nós somos um destino turístico responsável, sustentável e regenerativo. É o turismo que transforma vidas", destaca Maria Júlia.
E Maria Júlia sabe a mulher forte e completa que é. "O que mais admiro em mim é a capacidade que eu tenho de amar. Eu amo muito a vida. Eu amo as pessoas. Mesmo que o mundo me diga que o ser humano é meio difícil de se conviver, mas eu tenho a estranha mania de ter fé na vida. Eu amo a vida", declara Maria Júlia.
Mulher cervejeira
Natural de Sousa, Sertão paraibano, Ranny Freire também abriu espaço para que mulheres se sentissem dentro do mundo de produção de bebidas. Engenheira química de formação, no final da graduação foi despertada pela curiosidade com a cerveja. Descobriu que dava para produzir cerveja em casa, de forma artesanal. Fez cursos, adquiriu mais conhecimento, estudou mais e começou a produzir a própria cerveja.
Foi um momento de descobertas, na verdade, de testar coisas novas, de aprender. Meu caminho foi parecido com o de todo mundo. A gente prova porque está todo mundo bebendo. Ninguém gosta no começo, mas acaba adquirindo o hábito. Comigo não foi diferente, conta Ranny.
Para a cerveja artesanal, especificamente, Ranny gostou assim que experimentou. "Achei incrível, porque era bem diferente do que a gente está acostumado. Então, eu comecei a ter mais curiosidade de entender como é que fazia, como era que era feita a cerveja, como é que colocava ingredientes diferentes, porque que uma tinha um sabor diferente da outra. Comecei a explorar esse universo", relata.
Durante um dos cursos, Ranny precisava criar um rótulo para a própria cerveja. Foi nessa época que surgiu a marca Femme, uma forma de dar representatividade à sua produção.
Com o rótulo, as pessoas começaram a se interessar pela cerveja. Mas ser cevejeira ainda não era um negócio. Com a busca e a vontade já latente de abrir o próprio negócio, Ranny lançou a cervejaria e começou a produzir em uma fábrica, com tudo registrado.
"A gente montou ali um modelo de negócio que era bem pequeno, para poder fazer dar certo com os recursos que a gente tinha no momento, e foi mais ou menos dessa forma que eu saí do caseiro para virar de fato uma cervejaria", explica Ranny.
A Femme Cervejaria criou seis rótulo de cervejas artesanais: Xêrosa, Joia Rara, Lipulina, Escarlate, Fulô de Tangerina e Maria Rita.
"O impacto em si foi mais positivo do que negativo. Talvez essa ousadia tenha despertado mais interesse e curiosidade do que críticas. Assim como eu, tiveram outras mulheres trilhando esse caminho antes de mim e que serviram como referência. Então, eu acho que quando a gente consegue entrar em lugares onde não era o nosso lugar, pelo menos as pessoas viam como um lugar que não era nosso, a gente consegue trazer mais representatividade. E através do nosso trabalho, quebrar um pouco disso", enfatiza Ranny.
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