ECONOMIA
O ISS e o princípio do destino: o destino dos Municípios e o dos prestadores
Imposto sobre serviços (ISS) é o mais relevante para a arrecadação municipal.
Publicado em 08/05/2021 às 7:06 | Atualizado em 08/05/2021 às 12:12
Embora o imposto municipal mais conhecido da população seja o IPTU, o mais relevante para a arrecadação municipal, em João Pessoa e nas cidades médias e grandes do País, é o imposto sobre serviços (ISS).
Em razão dos avanços tecnológicos, é cada vez menos necessário que o prestador de serviços esteja situado na mesma localidade do tomador dos serviços (cliente), o que permite que um prestador de serviços tenha clientes por todo o Brasil a partir de um único ou de poucos estabelecimentos.
Surgem, assim, disputas entre os municípios brasileiros sobre a titularidade do imposto sobre serviços. As cidades que concentram os estabelecimentos dos prestadores de serviços defendem que lhes caiba o imposto, mesmo que o cliente seja de outra localidade; os municípios onde habitam os consumidores, por outro lado, sustentam que devem receber o imposto desses serviços.
Há um certo consenso econômico de que o último critério é mais justo, pois, sendo o imposto sobre serviços um imposto sobre o consumo, deve ele permanecer no Município de onde vem a riqueza consumida. O simples fato de o prestador ter seu estabelecimento em outra cidade não deveria, em muitos casos, ser relevante, mesmo porque cada vez mais está a prestação de serviços dissociada de um local físico. Some-se a isso o fato de que o critério do estabelecimento prestador é muitas vezes arbitrário e viciado pela guerra fiscal entre municípios, que oferecem vantagens aos prestadores para se situem em seus territórios; o domicílio do tomador de serviços, por outro lado, é critério muito menos manipulável.
Levando esses argumentos em conta, o Congresso Nacional, em 2016, editou a Lei Complementar n. 157, aumentando o número de casos em que o imposto seria devido ao Município do domicílio do tomador.
Assim, a título de exemplo, se determinado cliente contratar um plano de saúde que não é estabelecido em sua cidade, o ISS passaria, com a nova Lei para Município do cliente.
Não é difícil perceber que, embora atenda a anseios justificáveis, a mudança tinha potencial para gerar para os prestadores de serviços ônus pesadíssimos. Se antes só eram contribuintes de ISS nos municípios nos quais tinham estabelecimento, agora passariam a ser potenciais contribuintes em milhares de municípios brasileiros e, assim, emitir notas fiscais em cada um deles, apresentar a cada qual declaração de serviços, bem como mensalmente pagar o imposto devido a cada Edilidade.
Rapidamente, pois, nasceu uma forte reação de determinados setores de prestadores de serviços, que se insurgiram contra as dificuldades operacionais e os custos que seriam gerados pela nova Lei, bem como quanto à dificuldade em identificar o Município a quem caberia o imposto. Chegou-se a anunciar que certos prestadores passariam a recusar clientes domiciliados em municípios onde eles não tivessem escala suficiente para justificar os custos de pagar impostos ali. Esse movimento culminou com a suspensão de vários dispositivos da Lei Complementar n. 157/2016 pelo Supremo Tribunal Federal.
Os Municípios, por sua vez, reagiram, no fim de 2020, com a edição da Lei Complementar n. 175/2020, que, respondendo às críticas, previu para os serviços com tomadores muito pulverizados pelo país (planos de saúde, administração de consórcios e de cartões de crédito e leasing) uma nova sistemática para as obrigações acessórias, i.e., as obrigações impostas pelo Fisco ao lado do pagamento do tributo, tais como a entrega de declarações e a emissão de notas fiscais. Ficou previsto que haveria uma uniformização dessas obrigações por intermédio de um Comitê integrado por municípios de diversas regiões do país, que se refletiria na criação de sistemas obedientes a certos padrões. Assim, em vez da exigência, verdadeiramente hercúlea, de ter de estar potencialmente em conformidade com a legislação dos mais de 5 mil municípios brasileiros, haveria uma importante simplificação, através das regras do Comitê referido e do sistema padronizado.
A nova Lei também procurou esclarecer o conceito de domicílio de tomador, na tentativa de evitar conflitos na identificação do Município que receberá o imposto. Ainda estabeleceu uma divisão de recursos do imposto transferido pela Lei aos municípios dos tomadores, para suavizar o impacto fiscal da medida para os municípios que, pelas regras anteriores, receberiam o imposto.
As soluções, contudo, não estão imunes a críticas, pois as medidas de uniformidade de obrigações acessórias não atendem a todos os casos em que o imposto passou a ser devido no Município do tomador, bem como se exige que o sistema referido seja custeado pelos próprios contribuintes, individualmente ou em conjunto. Também se aponta que ainda poderiam surgir dúvidas sobre o município a quem deve ser pago o imposto. A melhora é, no entanto, incontroversa.
Do exposto se verifica que a adoção do princípio do destino, embora muito defensável em tese, pode trazer sérias dificuldades operacionais e custos para os contribuintes, num cenário de imposto municipal, cobrado potencialmente pelos mais de 5.000 municípios brasileiros.
Assim, devem o legislador e o Supremo Tribunal Federal saber balancear adequadamente as preocupações com o destino dos municípios que clamam-justamente- por uma fatia maior do ISS pago no Brasil e dos prestadores, que suportarão o agravamento do intolerável ônus de pagar para pagar tributos. A saída, nos parece, é pela simplificação e uniformização nacional das obrigações acessórias impostas pelos municípios.
*André B. Coelho de Miranda Freire é advogado Tributarista e Procurador do Município de João Pessoa. Mestre em Direito Tributário (USP). Diretor Fundador do Instituto de Pesquisas Fiscais.
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