ECONOMIA
Opinião: Valor de referência ou valor venal para calcular o ITCMD?
Publicado em 07/08/2021 às 15:13
O imposto sobre a transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos – ITCMD previsto no artigo 155, I, da Constituição Federal, é de competência dos Estados e do Distrito Federal.
De acordo com a Carta Magna, cabe à Lei Complementar, enquanto norma geral, definir a base de cálculo dos impostos. Por sua vez, cumpre ao Código Tributário Nacional (CTN), recepcionado como lei complementar pela atual Constituição, fazer as vezes de norma geral. No que tange ao ITCMD, o CTN determina que a base de cálculo deste tributo é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.
Entretanto, existe uma controvérsia nos entes que tributam o ITCMD, que ao invés de considerar o valor venal para o seu cálculo, estipulam como aplicável o valor de referência. Em relação ao valor venal de bem imóvel urbano, defende-se que este seja um valor atualizado ao tempo do fato gerador do tributo e que foi obtido através de um cálculo realizado pela prefeitura da cidade onde o bem está localizado, posteriormente registrado na Planta Genérica de Valores (PGV). Convém compreender que a elaboração da PGV ocorre com alto grau de detalhamento das características do local e, por isso, os valores nela registrados são utilizados para o cálculo do Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU. No mesmo sentido, entende-se pelo valor venal posto ao Imposto Territorial Rural (ITR) para o ITCMD, para os imóveis rurais. Com esse parâmetro pretende-se que não haja fixação de valores dissociados da realidade que causem prejuízo aos contribuintes com o pagamento de tributo a maior do devido.
Dentro desta discussão, vale salientar que o valor venal do imóvel é diferente do valor de mercado. Este último seria calculado com base no preço das vendas de outros imóveis semelhantes, sendo mais subjetivo que o valor venal, estando fortemente relacionado com questões inerentes ao mercado imobiliário e negociações entre comprador e vendedor.
Por outro lado, o valor de referência dos bens é uma estimativa que o Poder Público faz a respeito de cada imóvel. Ele é utilizado para evitar uma possível evasão fiscal, quando o contribuinte declara um valor de transação de imóvel muito baixo. Ao contrário dos valores registrados na Planta Genérica de Valores, esse valor de referência não é fruto de uma análise detalhada das especificidades do local onde se encontra o imóvel.
É comum que o fisco acabe cobrando o ITCMD calculado sobre o valor de referência, sendo este o valor do bem estimado pelo Poder Público e que causa deformidade no conceito de valor venal.
Considerar o valor venal do imóvel estipulado para o IPTU para imóveis urbanos e do ITR para imóveis rurais, é atender o que preconiza a Constituição Federal em uniformizar a base de cálculo dos diferentes entes federativos pela sua definição pela norma geral. Se a norma geral estipula “valor venal” como base de cálculo, é porque o real valor venal do bem imóvel deve ser considerado, independente de qual tributo se trata. Contraria este entendimento admitir distintos valores para um mesmo imóvel pelo simples motivo de se tratar de impostos diferentes.
No entanto, conforme foi mostrado acima, o Código Tributário Nacional determina que esse imposto deve ter como base de cálculo o valor venal dos bens ou direitos que forem transmitidos. Ou seja, a consequência disso é o contribuinte poder ser prejudicado, pois esse valor modificado acaba sendo mais expressivo do que aquele que realmente deve ser utilizado como base de cálculo.
Por mais que muitos Estados utilizem o valor venal de referência para fins de se calcular o valor de ITCMD, essa prática vai de encontro ao que Constituição Federal determina. Não existe previsão legal que autorize prática que prejudique o contribuinte, e, mesmo que houvesse, seria uma legislação inconstitucional. Muitas vezes, a diferença entre o valor venal do imóvel utilizado no cálculo do IPTU e o valor de referência chega a ser exorbitante, apresentando-se dissociado da realidade e sem qualquer amparo normativo.
*Ana Paula Basso é professora da UFPB e Diretora-Fundadora do Instituto de Pesquisas Fiscais (IPF).
*Lucas Cavalcanti de Araujo é advogado, especialista em direito tributário e pós-graduando (IBET).
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