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ECONOMIA

Real: 20 anos longe do 'dragão'

Plano econômico mais bem sucedido da história do país completa duas décadas e deixa para trás a hiperinflação.

Publicado em 29/06/2014 às 16:00 | Atualizado em 02/02/2024 às 17:24

Difícil esquecer a fase econômica brasileira em que a inflação chegava a 80% ao mês e mais de 2.400% ao ano. Os donos de casa sofriam com a rápida perda do poder aquisitivo e com o sumiço das mercadorias nos supermercados. Já os grandes empreendedores garantiam o lucro do negócio nas aplicações financeiras, que tinham rendimentos gigantescos. Eram as décadas de 80 e 90.

Depois de uma série de medidas e planos econômicos fracassados para frear o descontrole da inflação, foi implantado em 1994 o Plano Real, que logrou o êxito para estabilizar a economia e debelar a inflação, inserindo o real, moeda que completa 20 anos de existência no dia 1º de julho.

ERA DAS MAQUINETAS

No início dos anos de 1990, o empresário Cícero Bernardo, atual presidente da Associação de Supermercados da Paraíba (ASPB), era dono de uma mercearia em João Pessoa. Para manter o negócio, ele contou que precisava reajustar os valores das mercadorias duas ou três vezes ao dia.

“Aquela máquina de remarcar preço não parava. Eu não tinha condições de ter estoque na mercearia e fazia reposição diária dos produtos. Era uma loucura. Na época do Cruzado Novo, alguns itens sumiram das prateleiras e eu não podia oferecer certo alimento ao cliente porque não tinha onde buscar”, relembrou Cícero, que atualmente possui um supermercado na cidade de Cabedelo.

PLANOS FRACASSADOS

Os produtos sumiam do comércio porque na segunda metade dos anos de 1980 o presidente da época, José Sarney, implantou o Plano Cruzado, que proibia os itens básicos – como arroz e feijão – de serem reajustados por 12 meses.

A ação extrema era para que a oscilação de preço não gerasse mais inflação. Insatisfeitos, os produtores mal intencionados, que não era o caso de Cícero Bernardo, escondiam as mercadorias para gerar falta do produto no mercado e forçar o aumento. Por isso, às vezes era uma guerra encontrar itens comuns à dieta básica da população nos estabelecimentos.

Como era de se esperar, este plano, assim como outros – Bresser, Verão e o Plano Collor – fracassou. Mas no dia 1º de julho de 1994, no governo do presidente Itamar Franco, o real tornou-se a moeda brasileira. O projeto foi arquitetado pela equipe do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso (FHC), então ministro da Fazenda. A equipe que arquitetou o plano era formada por Edmar Bacha, Persio Arida, André Lara Resende, Gustavo Franco e Pedro Malan.

PLANO INICIA COM URV

Aos poucos, a estabilidade econômica foi sendo implantada no país. Em resumo, o Plano foi posto em prática diante de três estratégias: com o corte no orçamento público, a inserção da Unidade Real de Valor (URV), uma moeda de transição virtual, para ao fim chegar a moeda em espécie real. A URV era usada como unidade monetária para desindexar a economia.

O valor da URV era baseado no dólar e entrou em vigor em março de 1994 para que o povo brasileiro se acostumasse à mudança. Com isso, todos os preços foram remarcados em URV e a moeda que circulou neste período foi o cruzeiro real. Diariamente o governo federal divulgava quanto custava a URV em cruzeiros reais. Por exemplo, um frango poderia custar “1 URV” e no caixa este valor era convertido para a moeda corrente no país.

“O Plano Real chegou inicialmente com a utilização de uma moeda transitória, a URV - que deveria ser aplicada nos valores a pagar, expurgando a inflação que estava embutida nos contratos e compromissos comerciais. Essa foi uma alternativa inteligente e possibilitou o ganho de credibilidade da população”, afirmou o economista, consultor de empresas e planejador financeiro pessoal, Rafael Bernardino de Sousa.

As tentativas anteriores de controle da inflação – cuja origem era desconhecida – se basearam em uma intervenção violenta do governo no controle de preços e na circulação de papel-moeda no mercado.

Para o economista e doutor em Administração Samy Dana, foi na década de 80 que o Brasil começou a pagar a conta do “milagre econômico” dos anos 70, quando a taxa de crescimento do país inchou a níveis jamais alcançados novamente – de mãos dadas com a dívida.

“O real acabou com a ideia de planos milagrosos e foi essencial para que se recuperassem a confiança e a pontualidade dos pagamentos”, explica.

HIPERINFLAÇÃO MARCA GERAÇÃO

A hiperinflação é marcada até hoje na mente dos paraibanos e brasileiros sobretudo acima de 50 anos. Não foi à toa que na época a alta dos preços foi nomeada de “dragão”, que engolia o poder aquisitivo do povo e barrava o desenvolvimento econômico. Nas ruas de João Pessoa, facilmente se ouve relatos daquela época em que não se vislumbrava um futuro promissor para o país.

O bacharel em direito aposentado, que atuou como funcionário público, Moacir da Costa Machado, 75 anos, lembrou que quem lucrava na década de 1980 era quem tinha muito recurso. “Só se dava bem quem tinha dinheiro e aplicava no overnight. E o Real foi a salvação da nossa economia.

Na hiperinflação você fazia uma feira por um valor e na semana seguinte custava o dobro. Com o Real a economia teve que se retrair um pouco para se adequar, mas em pouco tempo os salários foram corrigidos e a economia se ajustando. Foi um plano muito bem arquitetado”, frisou.

Há 20 anos, o funcionário público Maurício Almeida, 39 anos, havia acabado de entrar no curso de Geografia na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Apesar de não manter financeiramente um lar ou empresa, ele acompanhava de perto a economia da época.

“Tinha 19 anos e recordo bem do gatilho salarial. A remuneração dos trabalhadores era reajustada constantemente para acompanhar a inflação, mas não adiantava porque o povo sempre saía perdendo”, contou.
O economista Rafael Bernardino também relembrou fatos do período que hoje parecem inimagináveis.

“Antes do Plano Real a inflação média dos quatro últimos anos estava na ordem de 1.500% ao ano. Nessa época, a economia brasileira funcionava de uma maneira totalmente fora dos padrões e fundamentos aceitáveis.

Os ricos ou investidores se beneficiavam com a elevada remuneração das suas aplicações, enquanto que a classe média tentava proteção comprando elevadas quantidades de produtos de consumo, que geralmente eram estocados para se livrar dos aumentos de preços. O assalariado, em geral, sofria com a perda do poder de compra de suas remunerações, que não eram reajustadas nem nos percentuais, nem com a mesma velocidade dos aumentos de preços”, relatou.

De passagem por João Pessoa, a brasiliense Sônia Costa, 47 anos, lembrou dos constantes reajustes. “De uma semana para outra aumentava tudo. A carne era uma coisa absurda. Hoje a inflação está voltando. Dois reais em João Pessoa não dá para comprar um café”, desabafou. (Colaborou Alexsandra Tavares)

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Jornal da Paraíba

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