CONVERSA POLÍTICA
Em comparação esdrúxula, Bolsonaro critica projeto que permite cultivo de maconha para fabricação de medicamentos
Publicado em 18/05/2021 às 12:22 | Atualizado em 24/03/2023 às 10:07
Por LAERTE CERQUEIRA e ANGÉLICA NUNES
Não é novidade ouvir o presidente Bolsonaro falar de assuntos que não conhece. Faz juízos de valor sem o mínimo de informação, baseado em preconceitos e despreocupado com a postura de Chefe de Estado. Não é uma questão apenas de ser a favor ou contra. É de ser "emprenhado" pelo ouvido e falar o que não sabe.
Ontem, mais uma vez, Bolsonaro criticou o projeto de lei que autoriza o cultivo da maconha por empresas para fabricação de medicamentos. Para os seus cegos admiradores tenta construir um discurso que o projeto é uma liberação deliberada da maconha, proposta pela "esquerda". Tem muita ma-fé.
O presidente, ao fazer uma comparação esdrúxula entre esses medicamentos e a cloroquina, disse que vai vetar o projeto, se passar pelos deputados e senadores. "Engraçado, maconha pode, cloroquina não pode [...] a esquerda sempre paga uma oportunidade para querer liberar as drogas", afirmou, apostando na desinformação.
A iniciativa tramita no Congresso e, apesar de algumas resistências de insensíveis e desinformados, felizmente, uma boa parte já se despiu do preconceito e entendeu que não há liberação para plantar e usar a droga na rua. Mas, um cultivo controlado para fazer uma medicação. Medicação que tem eficácia comprovada para os fins destinados. Bem diferente de outras drogas que são defendidas pelo governo.
A proposta
A proposta permite atividades de cultivo, processamento, pesquisa, armazenagem, transporte, produção, industrialização, manipulação, comercialização, importação e exportação de produtos à base de Cannabis.
O texto diz que é expressamente "vedada a prescrição, a dispensação, a entrega, a distribuição e a comercialização para pessoas físicas, de chás medicinais ou de quaisquer produtos de cannabis sob a forma de droga vegetal da planta, suas partes ou sementes, mesmo após processo de estabilização e secagem", diz o projeto.
"Ridículo até né, um país com tantos problemas [e] o 'cara' despendendo força para votar uma porcaria de um projeto desse", disse Bolsonaro, no dia 11 de maio.
Está na Comissão especial
O texto ainda precisa ser aprovado na Comissão Especial na Câmara criada para debater a matéria, antes de ser levado ao plenário. A sessão da Comissão acontece nesta terça-feira (18). Em um dos momentos o deputado bolsonarista Diego Garcia (Podemos-PR) agrediu o colega petista Paulo Teixeira (PT-SP). Diego deu um tapa no peito de Paulo, que é presidente da Comissão Especial.
A discussão teve início após a negação a um requerimento de Garcia, que tentava adiar a reunião. O bolsonarista pleiteava ainda uma votação nominal, também negada. "Vai continuar! Vai continuar!", diz Paulo Teixeira enquanto Diego Garcia chega, empurra o notebook do petista e agride o colega.
Abrace
João Pessoa sedia a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace). A Ong é a única instituição do país que tem o direito de cultivar a planta com esse fim e atende 14 mil de pacientes desde 2017, quando a Justiça Federal, na Paraíba, autorizou o plantio e a manipulação da erva.
Traz paz a familiares e pessoas acometidas por doenças que não são controladas por remédios tradicionais e aprovados pelas autoridades brasileiras. Já está provado que os medicamentos são fundamentais para a vida de todos que os utilizam e a eles não deve ser negado esse direito.
O que Bolsonaro deveria saber antes de falar
O texto regulamenta a legislação vigente e vai ajudar as famílias de pacientes que não responderam bem a outras terapias ou tiveram efeitos colaterais com medicamentos disponíveis no mercado. Estudos indicam que os derivados da planta podem ser utilizados no tratamento de doenças como Alzheimer, Parkinson, glaucoma, depressão, autismo e epilepsia.
Além disso, já existem evidências conclusivas da eficácia dos canabinoides contra dores crônicas e no tratamento de câncer, apresentando efeitos antitumoral e também contra enjoos causados pela quimioterapia e no tratamento da espasticidade causada pela esclerose múltipla.
Os canabinoides também demonstraram evidências moderadas de que são efetivos para o tratamento da fibromialgia; dos distúrbios do sono, como no para tratamento de síndrome da apneia obstrutiva do sono; para aumento do apetite e diminuição da perda de peso em pacientes com HIV; para a melhora nos sintomas de síndrome de Tourette; nos sintomas de ansiedade, e para a melhora nos sintomas de transtorno pós-traumático.
Pressão social
Conscientes da importância de avançar no tema e entender que a realidade impõe mudanças para o bem comum, parlamentares podem não só aprovar o projeto, como derrubar um eventual veto. Se não fizerem isso, a pressão social será fundamental.
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