CONVERSA POLÍTICA
Governo vai ter que explicar "presentes do orçamento paralelo" aos parlamentares aliados no Congresso
Publicado em 11/05/2021 às 14:02 | Atualizado em 30/08/2021 às 18:57
Por LAERTE CERQUEIRA e ANGÉLICA NUNES
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), como era de se esperar, afirmou que o "orçamento paralelo", denunciado pelo jornal Estadão, é uma invenção da imprensa. Há sempre um inimigo conspirador. O exército digital já começou a trabalhar nessa linha.
Mas, como ainda estamos em um país democrático, denúncias como essa, no mínimo, precisam ser investigadas. A subprocuradoria da República já sinalizou e o TCU vai colocar a lupa nos números. Uma CPI começa a ser pensada.
O "orçamento paralelo", segundo apuração do jornal, é de R$ 3 bilhões e foi criado para beneficiar deputados e senadores do Centrão, que decidiram apoiar o governo em troca de "mais atenção orçamentária".
Ou seja, "você me ajuda aqui, que eu mando uma dinheiro extra ali", fora dos repasses oficiais que estão previstos nas emendas parlamentares, individuais e de bancadas. São os presentes retirados do chamado orçamento paralelo.
Tratoraço
A Codevasf era um dos órgãos usados para desovar o dinheiro, com compras de máquinas pesadas, como tratores, com indícios de superfaturamento. O Ministério do Desenvolvimento Regional era o responsável pela partilha. A Paraíba recebeu tratores recentemente.
Recursos que garantiam força de parlamentares em sua base, mas num formato que rasgou o equilíbrio e a isonomia no repasse de dinheiro para obras solicitadas pelos legisladores. A investigação pode mostrar quem defende o governo por "paixão" ou quem faz parte da tropa de choque por "gratidão".
Não dá para subestimar a descoberta do "tratoraço," como também vem sendo chamado o suposto esquema. Se os órgãos de controle descobrirem que ocorreu de fato, que foi institucionalizada a compra de parlamentares com dinheiro público e com regras próprias, um novo drible criminoso ao orçamento é revelado. Tudo alheio ao regramento legal.
Negociação com o Centrão
O presidente sabia que ao negociar com o Centrão por apoio tinha que pagar um preço. Resolveu bancar para evitar perder força no parlamento, fundamental nesse modelo de gestão, principalmente quando a fragilidade governamental se consolida.
Para completar, errando na política e colocando a culpa nos inimigos, tornou-se, de fato refém, do grupo. Entre os contemplados com graciosas verbas do "orçamento paralelo", estaria o parlamentar paraibano Wellington Roberto (PR). Ele nega qualquer irregularidade e disse que os recursos são do orçamento oficial, aprovado pelo Congresso. Nada que não se explique com uma apuração transparente.
Governo deveria defender investigação
Não bastasse a vacina chegando lentamente, a CPI, a condução claramente errada na gestão da pandemia, a estagnação da economia, a fraqueza para aprovar reformas, aparece mais um motivo real e institucionalizado para dar dor de cabeça ao governo.
O ataque à imprensa deveria ser trocado por um pedido de investigação profunda da denúncia. Com discurso anticorrupção, o presidente e os apoiadores deveriam fazer coro para que os órgãos investiguem tudo. Da criação do orçamento paralelo ao suposto superfaturamento.
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