CONVERSA POLÍTICA
Violência no campo na Paraíba leva Brasil ao banco dos réus na Corte Interamericana de Direitos Humanos
Os dois casos foram destaque no quadro Eu Quero Justiça, das TVs Cabo Branco e Paraíba, em 2009, quando reportagens mostraram a demora no desfecho dos crimes.
Publicado em 07/02/2024 às 16:36 | Atualizado em 08/02/2024 às 8:02
A Corte Interamericana de Direitos Humanos julga, nesta quinta-feira (8) e sexta-feira (09), em San José da Costa Rica, a denúncia contra o Estado brasileiro por omissão em dois casos emblemáticos de violência no campo da Paraíba.
Um deles aconteceu há 27 anos e foi do trabalhador rural Manoel Luiz da Silva. O outro, de Almir Muniz, no fim do anos 90. Os dois casos foram destaque no quadro Eu Quero Justiça, das TVs Cabo Branco e Paraíba, em 2009, quando uma reportagem mostrou a demora no desfecho dos crimes.
O crime Manoel Luiz aconteceu em 19 de maio de 1997, em São Miguel de Taipu, na Paraíba. À época do crime, a Fazenda Engenho Itaipu estava submetida a um processo de expropriação a título de utilidade pública com fins de reforma agrária.
Ao passarem pela estrada dentro da propriedade, caminho usual dos moradores da região, quatro trabalhadores foram ameaçados e ofendidos pelos capangas. Manoel Luiz foi alvejado e morreu na hora. Os demais conseguiram fugir.
A vítima tinha 40 anos. Manoel deixou a esposa, Edileuza Adelino de Lima, grávida de dois meses, e um filho de quatro anos, Manoel Adelino.
Diante da falta de resposta, neste caso, a Justiça Global, a Comissão Pastoral da Terra e a Dignatis acusam o Estado brasileiro de omissão na investigação policial e na ação penal que apuraram o assassinato de Manoel, violando o direito à integridade psíquica e moral dos familiares da vítima, além dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, conforme determina a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
O caso foi enviado em 2003 e admitido em 2006 pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Em 2021, a CIDH enviou o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Os órgãos que pedem resposta, afirmam que houve falhas no processo, como a demora para a realização da perícia, falta da busca pela arma do crime e a desconsideração do contexto de violência contra os trabalhadores rurais na Paraíba no qual o caso se inseria.
Segundo eles, um capanga, que teria sido autor dos disparos, nunca foi encontrado e, após um processo de 16 anos (2003), os outros dois foram absolvidos pela Justiça.
Durante todo esse período, as diligências investigativas se limitaram à oitiva de um número reduzido de pessoas, além de ter se perseguido, de forma diligente, linhas investigativas disponíveis desde o início, como a identificação do suposto autor dos disparos, a presença de armas na sede da fazenda onde se deram os fatos e a inserção dos fatos no contexto maior da perseguição contra trabalhadores rurais sem-terra, inclusive com outros fatos análogos envolvendo o proprietário da fazenda em questão”, escrevem as organizações peticionárias.
Caso Almir Muniz
Almir Muniz era trabalhador rural, posseiro da Fazenda Tanques, no Município de Itabaiana. No final dos anos 90, ele com mais 30 famílias foram proibidos de plantar nas terras que ocupavam e eram ameaçados de ser expulsos.
No dia 20 de junho de 2002, por volta das 5 horas da manhã, foi chamado por outro agricultor para rebocar o seu carro com o trator da comunidade até uma oficina, na cidade e fez o serviço, porém, ao retornar aproximadamente as 7h20 horas, desapareceu no trecho das proximidades da sede da fazenda.
Almir Muniz, por ser uma liderança na comunidade, tornou-se o alvo dos capangas da fazenda, segundo as organizações peticionárias. Elas afirmam ainda que muitas ameaças e violência eram denunciadas aos órgãos de segurança do Estado, porém, não era tomada as providências.
A família que o esperava para o café da manhã e o almoço, estranharam não ter chegado e resolveram procura-lo e não o encontrado em casas de parentes e amigos, fizeram denúncia na delegacia de polícia do município de Itabaiana. As investigações durou mais de 6 anos, tendo a Delegacia de Polícia de Itabaiana emitido Relatório sem nenhum indiciamento em outubro de 2008", afirmam.
Em novembro de 2008, a representante do Ministério Público emitiu parecer requerendo o arquivamento do Inquérito nº 03820020014619. Em março de 2009 o Juízo da 1ª Vara da comarca de Itabaiana decidiu pelo arquivamento do mencionado Inquérito nº 03820020014619.
A partir de uma avaliação entre a Assessoria Jurídica, a CPT e a Justiça Global, foi feito uma denúncia na Comissão de Direitos Humanos da OEA – CIDH-OEA em 2009 e admitida na CIDH em 2016.
Posteriormente, em decisão de mérito, a CIDH enviou o processo para Corte IDH, tendo a Corte admitido caso em 2022. E, agora, marcou a audiência para o julgamento dos dois casos para os dias 08 e 09 de fevereiro de 2024 na sua sede na cidade de San José, na Costa Rica.
Os pedidos
As peticionárias pedem que o Estado indenize e forneça atendimento adequado aos efeitos negativos, físicos e psicológicos, sofridos pelos familiares; que inicie uma investigação e processo contra o autor dos disparos, apontado como Vanderlei, e o reconhecimento da responsabilidade, inclusive no Assentamento Manoel Luiz.
As organizações pedem ainda vinte medidas de não repetição, entre elas: um amplo projeto de reestruturação e melhorias do local; a construção de uma política ampla de prevenção e mitigação dos impactos da violência no campo; a formação dos profissionais da área de segurança pública e militares em programas de educação em direitos humanos; a ampliação de uma política de combate à grilagem de terras; o reconhecimento e a promoção dos “Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos”, apurando crimes cometidos por agentes privados no campo.
Quem cobra Justiça ?
A Justiça Global é uma organização não governamental sem fins lucrativos que, desde 1999, atua na defesa e promoção dos direitos humanos, por meio da incidência nos mecanismos internacionais de direitos humanos, na produção de dados e acompanhamento de casos emblemáticos, com foco na proteção da/os defensoras/es de direitos humanos e da democracia; na justiça socioambiental e climática; e no combate à violência institucional e na segurança pública.
A CPT procura contribuir com iniciativas que efetivem os direitos conquistados e garantidos em lei e ampliem os direitos civis, culturais, econômicos, políticos e sociais, assumindo a pressão e o conflito como inerentes ao processo democrático.
A Dignitatis busca a promoção e a efetivação dos direitos humanos, da democracia, da paz e da autonomia dos povos, populações e movimentos sociais em sua busca por justiça social e desenvolvimento étnico-sócio-cultural sustentável.
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