POLÍTICA
'Minha Casa, Minha Vida' vira pesadelo para famílias do interior
Um dos casos mais graves está em Sousa onde a Companhia de Habitação do Estado deveria ter construído 428 casas desde 2006, mas não terminou as obras.
Publicado em 16/10/2015 às 15:17
Sem perspectiva de receber moradias dignas para viver com a família, beneficiários do 'Minha Casa, Minha Vida' acabam invadindo prédios sem condições de uso. Quem tira o sustento da agricultura familiar também sofre sem apoio do poder público com espaços adequados. O atraso na entrega de obras de habitação, pavimentação e de apoio ao trabalhador do campo é o tema de hoje da série “A obra parou. E aí?”, veiculada ao longo desta semana pela Rede Paraíba, através do JORNAL DA PARAÍBA, das TVs Cabo Branco e Paraíba, da CBN e do portal G1.
Um dos casos mais graves registrados pela equipe, durante a caravana, foi no município de Sousa, no Sertão, onde deveriam ter sido construídas, desde 2006, pela Companhia de Habitação do Estado (Cehap), 428 casas no Conjunto Habitacional Antônio Mariz. Segundo o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) no município, Jota Cândido, do total, pouco mais de 300 casas foram entregues entre 2009 e este ano. Ele também disse que, cansados de esperar, muitos acabaram invadindo os imóveis, mesmo inacabados.
Outro problema é que, das casas que foram entregues, segundo os moradores, muitas não foram concluídas. “Entregaram com o banheiro sem cerâmica, sem vaso, sem o encanamento. A energia elétrica também não foi colocada. Só depois de quatro meses que fizeram a instalação. Eu tenho a sensação que recebi uma casa inacabada. Agora vamos ver se um dia vão terminar, mesmo já tendo sido entregue”, explicou a dona de casa Socorro Alves.
Segundo a Cehap, em fevereiro de 2014, foram entregues 160 unidades habitacionais, sendo 100 do programa Pró-Moradia e 60 de outro contrato. Sobre as 268 restantes, 52 estão ocupadas, mas os moradores assinaram uma declaração de que elas não estão concluídas definitivamente, e que estão ocupando as residências para evitar invasão por terceiros. O órgão ainda informa que em setembro de 2014 houve a invasão de 116 das 216 unidades restantes, e que isso provocou um retardo na execução das obras. É que alguns materiais de construção e ferramentas das construtoras foram furtados.
Beneficiários sorteados não receberam os imóveis
Em Dona Inês, no Agreste, a construção de 40 casas no loteamento Jardim Primavera, também com recursos do 'Minha Casa, Minha Vida', está paralisada desde 2011. As paredes em ruínas impediram a invasão dos imóveis inacabados. Os beneficiários foram sorteados, mas até agora não receberam o benefício. Os moradores de Dona Inês contam que fossas foram abertas no quintal das residências e abandonadas, e que crianças brincam no local com risco de cair. O terreno foi doado pela prefeitura, mas eles não souberam explicar por que a obra parou. Até o fechamento desta edição, a Cehap não deu retorno sobre o atraso.
Além da falta de moradia, famílias paraibanas também sofrem com a falta de conclusão em obras que ajudariam no desenvolvimento familiar. Um exemplo está escancarado em Mamanguape, no Litoral Norte, onde um Centro Integrado de Apoio Familiar (Ciaf), está em construção há mais de 10 anos, às margens da BR-101. O presidente da Associação de Agricultores do município, José João da Silva, conta que o prédio deveria ser um espaço para que os produtores rurais pudessem vender os alimentos colhidos na região, além de ter um viveiro de mudas para repor a produção em períodos de seca.
O prédio destinado à agricultura familiar, no entanto, está abandonado e depredado, tomado pelo mato, partes das estruturas das portas foram roubadas e o telhado está caindo. Após mais de uma década, apenas 35% da obra foi concluída, segundo o Tribunal de Contas do Estado (TCE).
O secretário de Planejamento de Mamanguape, Nilson Moreira, alega que a obra não está abandonada, mas paralisada por questões burocráticas. Segundo ele, o aumento no preço dos itens da construção inviabilizou o andamento do projeto, já que a prefeitura não dispõe de recursos suficientes para concluir o Ciaf.
Em Serra Branca, no Cariri, o problema é com a pavimentação, que foi feita pela metade. No bairro dos Pereiros, o projeto orçado em R$ 390 mil era para calçar e drenar sete ruas, mas só chegou em metade delas. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), mais de R$ 298 mil já foram usados, o equivalente a 75% do valor do contrato. A prefeitura não informou quanto já foi executado.
As pedras e a areia que seriam usados para o calçamento ficaram abandonados no local, e moradores da região retiraram o material e utilizaram nas próprias casas. “Ficou parado ali, o pessoal viu que não iam mais terminar o calçamento e aí pegaram pra fazer calçada, banquinhos, para usar como alicerce nas casas, várias coisas”, comentou a aposentada Severina de Andrade.
À espera de um milagre - Improviso enquanto a casa não vem
Seu Antônio Agostino, de 54 anos, morava numa casa de taipa. Uma casinha, num terreno invadido, quase no meio da rua, em Dona Inês, no Agreste. Um dia passaram por lá, disseram a ele que iriam ampliar e pavimentar a rua. As paredes da casa seriam derrubadas. Seu Antônio não se abalou tanto porque prometeram uma casa num conjunto habitacional. Um lugar decente. Foi para o aluguel, mas não aguentou muito tempo. Sem condições, foi “viver à espera”, sem prazo final, num local improvisado. “Eu fui para o cadastro e ia receber uma casa também. Toda reunião eu fui, mas quando foi na hora certa... tava fora”, desabafa.
Enquanto não recebe a casa, seu Antônio, que se aposentou por invalidez depois de fazer uma cirurgia na coluna, abriga-se na sala de uma antiga creche abandonada no centro da cidade. Ele divide o espaço com mais seis famílias, que também não têm um lugar decente para morar. Três delas estão na lista dos beneficiários do conjunto habitacional Primavera, uma obra da Companhia Estadual de Habitação Popular (Cehap) com o governo federal. A prefeitura da cidade doou o terreno, mas não soube dizer por que a obra parou.
Apesar do improviso, seu Agostino, que é divorciado, cuida com muito cuidado do espaço. O vaso sanitário e o chuveiro ficam no cantinho, escondido por uma “meia” parede de concreto. Um sofá vermelho, no meio da sala, indica que na frente tem uma TV, que é onde ele fica durante a noite. Chão limpo, um jarro, flores, almofadas dão aquela impressão de lar bem cuidado. Talvez seja uma forma dele se sentir na própria casa. Como não sabe quanto tempo aquele será o seu teto, melhor manter daquele jeito. “A pessoa fica alegre quando mora na moradia da pessoa mesmo, né? Mas assim...”.
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