POLÍTICA
Perrepistas e liberais ainda mantêm rivalidade até hoje
Depois de 85 anos, grupos se confrontam em eternos embates ideológicos na Paraíba
Publicado em 26/07/2015 às 16:00
O deputado estadual Jeová Campos (PSB) pensou em prestar uma homenagem póstuma ao paraibano Ariano Suassuna, um dos ícones do seu partido. Méritos ao teatrólogo e escritor falecido ano passado não faltavam. Por isso, na visão dele, acrescentar o nome de Ariano ao Palácio da Redenção cairia como uma luva, afinal, o escritor nasceu nas dependências do palácio, quando seu pai, João Suassuna, presidiu o Estado. Campos, sem saber, mexeu em um grande vespeiro.
O projeto que denomina Palácio da Redenção Ariano Suassuna a sede do governo, apresentado na Assembleia Legislativa, atraiu sobre o deputado a ira de uma parcela significativa de políticos e intelectuais. O motivo? Identificada com os ideais liberais, da facção política do ex-presidente João Pessoa, eles consideraram um acinte a homenagem ao filho de João Suassuna, antecessor e rival de Pessoa. Aos perrepistas é atribuída a morte do ex-presidente, há exatos 85 anos.
O episódio ilustra como, até hoje, em momentos pontuais, são retomados os embates entre perrepistas e liberais, refazendo o confronto que alcançou seu ápice com o assassinato de João Pessoa, em 26 de julho de 1930. O crime aconteceu na Confeitaria Glória, no Recife, e foi cometido por João Dantas, advogado ligado aos perrepistas. O episódio ocorreu após ele ter o escritório invadido pela polícia e correspondências íntimas com a namorada, Anaíde Beiriz, expostas.
Mas a origem disso remonta há muitos anos antes, no período em que Epitácio Pessoa, tio de João Pessoa, começou a dar as cartas na política paraibana. Mesmo antes de se tornar presidente da República (1919-1922), por força do seu prestígio político, já influenciava na escolha dos gestores estaduais. Isso foi visto nas eleições de Camilo de Holanda (1916-1920), Solon de Lucena (1920-1924), João Suassuna (1924-1928) e João Pessoa (1928-1930).
“Esse fenômeno ficou conhecido como epitacismo”, lembra o historiador José Octávio de Arruda Mello, que se reconhece como adepto do pensamento liberal. “Aquele foi o grande momento da afirmação do protagonismo da Paraíba. A morte de João Pessoa foi o estopim da revolução de 1930”, disse José Octávio, para quem as pessoas que passaram a defender o perrepismo desde então o fizeram por interesses pessoais.
A proposta de mudança do nome do Palácio da Redenção arrancou manifestações contrárias do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba (IHGP), Associação Paraibana de Imprensa (API), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Associação Paraibana de Letras (APL). As mesmas manifestações contrárias, com a mesma veemência, ocorreram em tentativas pretéritas de mudança do nome de João Pessoa, novamente para Parahyba.
A comoção criada a partir do assassinato embalou a revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas (derrotado na chapa que tinha João Pessoa como vice) ao poder, também embalou músicas e livros. O Hino a João Pessoa, cantado por Francisco Alves, considerado o rei da voz, na época, apelava para a “ressurreição” do ex-presidente. “Era um sentimento sebastianesco”, lembra José Octávio, fazendo referência ao rei Dom Sebastião, que, apesar de morto, os portugueses esperavam o seu retorno.
A morte de João Pessoa acarretou rápidas transformações. A capital, Parahyba, ganhou o nome dele. A bandeira foi redefinida, passando a usar as cores preta e vermelha e o “nego”. Tudo já sob o governo de Álvaro Pereira de Carvalho. Os adversários de João Pessoa passaram a enfrentar oposição intensa. João Dantas se matou (foi assassinado) na Casa de Detenção do Recife. João Suassuna, pai de Ariano, foi assassinado no Rio de Janeiro.
Desde então, em vários momentos, houve tentativas de mudança do nome da cidade. Na década de 1980, uma pesquisa foi feita e identificou que mais de 80% da população não queria a mudança. O vereador Fuba (PSB), perrepista, puxou esse debate várias vezes na Câmara de João Pessoa. Encontrou a oposição firme de Fernando Milanez (PMDB), liberal e descendente da família Pessoa. A rivalidade existe também em Princesa, entre as famílias Diniz e Pereira.
"Não dá para esquecer. Foi uma luta de interesses como toda luta política, seja na Florença de Maquiavel ou na Paraíba dos Pessoas e dos Dantas. A de 1930, entre nós, extravasou os limites históricos da disputa política para um estado em armas numa guerra com centenas de baixas entre perrepistas e liberais. Não dá para esquecer. No fundo de tudo isso, o Estado querendo se impor sobre a poderosa oligarquia dos coronéis, naquele momento açulada pelo poder central com seus exércitos cercando o Estado. De lado a lado não há como não guardar a memória de tudo isso, geração após geração"
Gonzaga Rodrigues
Jornalista e imortal da APL
"A mudança do nome e da bandeira já se processam dentro dos preparativos da manifestação de 1930. Havia um grupo que não aceitava a morte de João Pessoa como motivação da revolução de 30. A historiografia aceita que a revolução de 30 foi provocada pela morte. Quando ele morreu havia um banquete no Rio Grande do Sul, que era o centro da revolução. Em setembro ocorreram as mudanças no nome e bandeira e foi um movimento popular. Deputados perrepistas queriam prorrogar a discussão, jogaram um ovo que foi parar na datilógrafa. A assembleia revogou o veto. A excitação com a morte foi grande. No Rio Grande do Sul as pessoas estavam entregando os pontos. Com a morte, saíram com outro espírito"
José Octávio de Arruda e Mello
Historiador
"João Pessoa, tudo que conseguiu ascender na vida foi através da indicação de Epitácio (Pessoa). O homem João Pessoa foi problemático, tentou matar o pai (Cândido Clementino) em duas ocasiões, brigou com todos os irmãos, brigou com os Pessoas de Queiroz, do Recife, do Jornal do Commercio, e essa briga gerou um problema econômico na Paraíba, porque ele criou um imposto de fronteira. Se uma mercadoria viesse do Recife pela fronteira pagava alíquota exorbitante, se fosse por Cabedelo era pequeno. Isso tumultuou o comércio da Paraíba da época, que dependia de Ceará e Pernambuco. Os comerciantes passavam esse aumento para produtos. Por isso ganhou o nome de João Porteira"
José Caitano
Autor de “A saga de 1930 e o doido da Parahyba”
"O que ocorreu em 1930 foi uma das maiores contradições históricas do Brasil. Fizeram de um crime de lavagem de honra em crime político, transformando João Pessoa em herói. A maioria dos perrepistas que não votaram nele foram perseguidos, inclusive o próprio João Dantas. Embalsamaram o corpo de João Pessoa e fizeram discurso pelas capitais, até finalizar com o enterro no Rio de Janeiro, 15 dias depois de sua morte. Essa armação política gerou o levante para que fosse efetivada a revolução. A rivalidade foi diluída com o tempo, mas até hoje existe resquícios políticos da época que foram colocados debaixo do tapete e que só de alguns anos pra cá estão vindo à tona. Resumindo, João Pessoa, morto, foi usado como o estopim da pseudo revolução de 1930"
Fuba
Vereador de João Pessoa
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