POLÍTICA
Professores denunciam ao MPF ameaças à liberdade de ensino em escolas da PB
Segundo relatado pelos docentes, vereadores da capital participaram de atos de intimidação.
Publicado em 01/11/2019 às 10:22 | Atualizado em 01/11/2019 às 15:59
Um grupo de professores da rede estadual de ensino da Paraíba procurou o Ministério Público Federal (MPF) para denunciar uma série de ameças à liberdade de ensino que estão sofrendo. Os profissionais relataram inclusive a participação de vereadores da capital em atos de intimidação. Segundo o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação do Estado da Paraíba (Sintep-PB), há reclamações de ameaças contra professores de em pelo menos quatro escolas. O MPF vai apurar.
Segundo o representante do Sintep-PB, Felipe Baunilha, o sindicato já recebeu reclamações de professores de quatro escolas diferentes na capital: Escola Cidadã Integral Francisca Ascensão Cunha (FAC), da Escola Cidadã Integral Técnica Pastor João Pereira Gomes Filho (Ecite de Mangabeira), do Centro Estadual de Ensino-Aprendizagem Sesquicentenário e da Escola Estadual Cidadã Integral Cônego Nicodemos Neves. “Todas as reclamações são referentes a algum tipo de retaliação por expressar diferentes metodologias, em especial quando relacionada à questão da diversidade sexual. No caso da escola Sesquicentenário, as retaliações teriam ocorrido quando os professores abordaram em sala de aula os movimentos sociais”, informou Felipe Baunilha.
“Mas sabemos que há subnotificação. Desde o movimento Escola sem Partido em âmbito nacional, com essa onda conservadora, e, principalmente, depois dos ataques sofridos aqui na capital, professores têm se sentido acuados, temerosos de tratar determinados temas em sala de aula e sofrerem exposição e ataques pessoais, retaliação da direção da escola e das famílias. Muitos professores relatam o medo de abordar determinados temas na escola, afinal, os ataques não são apenas aos conteúdos mas também à figura dos professores e professoras”, relata o representante do Sintep.
Sindicato pede denúncias
Segundo Felipe Baunilha, a orientação do sindicato é que os professores procurem o Sintep para que o órgão representativo da classe possa acionar a Secretaria de Educação e, quando necessário, a Justiça. “Diante da subnotificação, criamos um canal de denúncia dos professores no site do sindicato, para que todos possam solicitar apoio e garantir sua liberdade de cátedra”, informou o professor. O canal de denúncia de possíveis assédios ou recriminação dentro da escola pode ser acessado através do endereço eletrônico.
Recentemente, a vereadora Eliza Virgínia (PP) lançou um site com uma ideia exatamente contrária à do sindicato. A plataforma é para que alunos denunciem supostos abusos de professores.
A professora de português Angela Chaves, que leciona na Escola Francisca Ascensão Cunha participou da reunião no MPF e relatou que uma vereadora da capital, sem citar o nome, retirou do contexto um trecho de um exercício feito em sala de aula e acusou a professora de não saber escrever, ser cristofóbica e intolerante religiosa. “Ela disse que ia abrir um processo contra a minha pessoa e passou uma semana fazendo esses comentários terríveis e mentirosos nas sessões da Câmara Municipal ”, relatou Angela Chaves. A professora conta que, após o episódio de superexposição, passou a tomar comprimidos e ir à terapia.
Além de vereadores da capital, os professores citaram integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL) como autores de ações de intimidação.
O Sintep também criticou a falta de posicionamento da Secretaria de Educação sobre a situação. “Os gestores não têm se sentido respaldados pela secretaria a desenvolver esta função básica da escola que é estimular o livre debate de ideias”, disse.
A Secretaria de Educação da Paraíba disse, através de nota, que prestou assistências às escolas quando ocorreu os fatos. "O nosso compromisso continua sendo com a educação pública de qualidade e com o futuro dos nossos jovens, lutando sempre pela garantia do respeito e da inclusão, assegurando a integridade e os direitos dos nossos estudantes e professores, assim como a liberdade de cátedra", destacou o órgão. A secretaria disse também que continua à disposição para diálogo com os professores e sindicato da categoria.
Audiência sobre liberdade de cátedra
O caso da Escola Francisca Ascensão Cunha foi um dos discutidos em uma audiência na Câmara de João Pessoa, na terça-feira (29). O vereador Carlão da Consolação (DC) admitiu que esteve na escola junto com vereadora Eliza Virgínia (PP). Na visão dele, os parlamentares tem o direito de fiscalizar qualquer tipo de denúncia envolvendo o setor público da educação. Para ele, a liberdade de cátedra se limitaria ao ensinamento de evidências científicas e metodologia de ensino. “Isso é o que faz a educação crescer e os alunos vencerem na vida”, disse.
O vereador Tibério Limeira (PSB) ressaltou que a escola, localizada nos Bancários, é bem administrada e oferece um ensino de qualidade. O parlamentar reforçou que é contra a exposição de alunos e professores, e que há temas que não são de competência do Parlamento, e sim dos órgãos competentes, com respaldo legal e jurídico para tanto. Para Tibério, quem faz críticas à unidade escolar deveria estar preocupado com a situação do ensino público, cobrando dos governos mais recursos e projetos para melhorar a educação.
Encaminhamentos
Após os relatos das ameaças e retaliações enfrentadas pelos professores, o procurador-chefe substituto do MPF na Paraíba, José Godoy Bezerra de Souza, definiu algumas medidas de atuação, dentre elas a realização de uma audiência pública com a presença de órgãos que atuam junto à Justiça, em âmbito federal e estadual.
A audiência deve ocorrer nos próximos 30 dias com a participação da comunidade estudantil, sociedade civil organizada, entidades interessadas no tema, além de órgãos como o Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho (MPT), Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública Estadual (DPE/PB) e Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Paraíba (OAB/PB).
Ainda em novembro de 2018, MPF, MPT, DPU, DPE e OAB recomendaram que universidades e escolas paraibanas estimulassem o debate de ideias nas aulas e se abstivessem de qualquer atuação que atente contra a liberdade de cátedra. A recomendação visou assegurar que as escolas e universidades não interferissem na liberdade de cátedra dos professores, com argumento que significasse violação aos princípios constitucionais.
O procurador da República José Godoy destacou que, além da Recomendação nº 37/2018, em que vários órgãos assinaram recomendando o respeito à legislação vigente, à Constituição Federal (artigos 205 e 206) que assegura a liberdade de cátedra (liberdade de ensino) e a liberdade de expressão nas escolas e nas entidades educacionais, o Estado da Paraíba possui também legislação específica – a Lei 11.230/2018, assegurando a liberdade de cátedra nas escolas e estabelecendo punições.
“Entre as providências a serem adotadas, está uma reunião com o secretário estadual de educação, visto que a situação envolve escolas estaduais, para que ele assegure a liberdade de cátedra e garanta que não haja nenhum tipo de assédio moral aos professores no ambiente escolar”, adiantou Godoy, destacando que “o assédio organizacional ocorre quando a instituição responsável para adotar as providências contra o assédio moral não as adota”.
Observatório da intolerância
Em novembro de 2018, foi lançado na Paraíba o Observatório Interinstitucional de Violências por Intolerância, uma central virtual que recebe e acompanha as denúncias de violências motivadas por preconceitos e atos de intolerância no estado. O sistema recebe casos ocorridos no estado da Paraíba e permite que as vítimas indiquem os agressores e informem sobre a existência de provas. O sigilo das informações é garantido. O observatório disponibilizou um formulário de denúncias online, no endereço da Defensoria Pública.
Os registros recebidos são analisados e encaminhados para as instituições responsáveis pela apuração dos fatos e responsabilização dos agressores. A Defensoria Pública Estadual orienta as vítimas juridicamente e acompanha casos graves relatados.
A defensora pública estadual Lydiana Cavalcante informou que a Defensoria Pública da Paraíba, através do Núcleo de Direitos Humanos, está à disposição dos professores que foram ofendidos em sua autonomia didática. "A liberdade do cátedra não é uma garantia somente do professor, mas também do aluno, que tem o direito de aprender, através de um olhar crítico, e a formar sua opinião com diferentes pontos de vistas e liberdade para se expressar e se desenvolver como um ser social, como preconiza a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente”, defendeu."Todos os professores que se sentirem violados ou constrangidos poderão enviar denúncias online para o observatório, a fim de que a instituição possa apurar e tomar as medidas extrajudiciais e judiciais cabíveis", orientou a defensora.
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