QUAL A BOA?
MAIO DE 68 FOI HÁ 50 ANOS
Publicado em 01/05/2018 às 9:17 | Atualizado em 22/06/2023 às 13:36
Hoje é o primeiro dia de maio de 2018.
50 anos nos separam de maio de 1968.
As manifestações de rua em Paris não foram as únicas, mas foram as que traduziram melhor aquele ano convulsionado.
Há um filme muito sensível que trata de maio de 68.
Os Sonhadores, de Bernardo Bertolucci.
Comento:
Maio de 68. A geração que virou a França de cabeça para baixo está afetuosamente retratada por Bernardo Bertolucci em “Os Sonhadores”.
Trancados num apartamento, três jovens fazem as suas revoluções individuais, enquanto, nas ruas, milhares fazem a revolução coletiva. Quando eles descem e se encontram com a multidão, enfrentam uma das questões cruciais daquele momento: adotarão a violência ou a não violência?
Realizado em 2003, o filme de Bertolucci vê maio de 68 de longe. Mas não fica somente nele. Nem no desejo que se tinha de contestar o sistema e tomar o poder.
Seus personagens falam muito de cinema e música. Chaplin ou Keaton? Hendrix ou Clapton? Dylan, Garbo, Joplin, Godard. A cinemateca francesa, as imagens de Fuller. “Paixões que Alucinam”, crítica de filmes, cinema americano versus cinema europeu. O encontro de Belmondo e Seberg em “Acossado”.
Maio de 68 pode ser a síntese de tudo. O instante em que a geração que queria mudar o mundo se manifestou de forma mais eloquente e radical. Mas Bertolucci se debruça sobre questões que não estão circunscritas a um mês nem a um ano determinado.
Para mim, o trecho mais belo de “Os Sonhadores” é quando os namorados vão ao cinema. Não como transgressores, mas como jovens comuns. O filme é “Sabes o que Quero”, comédia adorável da década de 1950, direção de Frank Tashlin. No início, tem aquela brincadeira com o cinemascope – a meia tela se expande para os lados e a tela toda é tomada pela imagem. Bertolucci usa a cena dos Platters e a música deles (“You’ll Never Never Know”) para dar um clima romântico ao programa dos dois personagens.
Na volta, eles se deparam com a realidade. Numa praça, o saldo de mais um dia de confronto entre policiais e manifestantes. O mundo está convulsionado. Mataram Luther King, líder da não violência. Logo matarão Bob Kennedy.
Se formos em busca do Bertolucci do final dos anos 1960, vamos encontrá-lo fazendo “O Conformista”. Um cineasta jovem olhando para o passado (a Itália sob o fascismo) para compreender e explicar o presente. No salto de quase quatro décadas até “Os Sonhadores”, seu cinema tratou do individual e do coletivo. Dos personagens sem nenhuma perspectiva de “O Último Tango em Paris” aos revolucionários de “1900”.
Penso que “Os Sonhadores” é um filme que só poderia ter sido realizado por um homem velho. É isto que o torna mais belo, mais delicado, mais fiel como retrato de uma geração. É isto que o faz tão verdadeiro e, principalmente, justo com o espírito transgressor de uma época.
Meio século nos separa de maio de 68. A geração que foi às ruas chegou ao poder, já faz tempo. O pragmatismo de hoje destoa dos sonhos juvenis. “Os Sonhadores” é uma revisão poética de maio de 68. Bertolucci dá ênfase ao cinema e à música.
Encanta, comove e faz pensar que o melhor que o homem produziu está na arte.
Não na política.
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