QUAL A BOA?
Nelson vê Tom. O Cinema Novo abraça a Bossa Nova
Publicado em 23/04/2018 às 7:31 | Atualizado em 22/06/2023 às 13:37
Estive com Nelson Pereira dos Santos em 2008, nos bastidores de um programa de televisão. Perguntei, e o homem que fez Vidas Secas respondeu que Vinhas da Ira, de John Ford, foi o filme que mais o influenciou na adaptação do livro de Graciliano Ramos para o cinema.
A conversa mudou de foco: ele disse que estava trabalhando num projeto sobre Antônio Carlos Jobim. Queria contar a história do maior compositor popular brasileiro na ótica das mulheres com quem se casou, Teresa Hermanny e Ana Lontra, e da irmã, Helena. O documentário se chamaria As Mulheres de Tom, título que não agradava à família. Algum tempo se passou até a estreia de A Música Segundo Tom Jobim.
O filme que Nelson Pereira dos Santos realizou em parceria com Dora Jobim não tem nada a ver com a ideia inicial de dar voz às mulheres que marcaram a vida do músico. Aquele projeto, depois realizado e chamado de A Luz do Tom, deu lugar a um perfil de Tom montado a partir da sua música.
Não há narrador, nem entrevistas, nenhum texto falado. Somente as canções. Elas se sucedem, numa ordem mais ou menos cronológica, e sintetizam a trajetória de Jobim, de Orfeu da Conceição, que inaugurou em 1956 a parceria com Vinícius de Moraes, ao carnaval de 1992, quando foi homenageado pela Mangueira. É um luxo. Um dos maiores cineastas do Brasil debruçado sobre o cancioneiro de Antônio Carlos Jobim.
O tempo passou, e quis o destino que, na velhice, Nelson Pereira dos Santos fizesse um filme sobre Antônio Carlos Jobim. Esta é uma das belezas que A Música Segundo Tom Jobim revela só para alguns. Se buscarmos o olhar da época, veremos que o Rio de Nelson não parecia ser o Rio de Tom. A partir do próprio título, Rio Zona Norte seria o avesso da Bossa Nova, que nasceu na Zona Sul. Mesmo que espectadores de um fossem ouvintes do outro, isto não era tão consensual assim entre o fim dos 50 e o início dos 60 do século passado. Uma questão resolvida a tempo, felizmente, de vermos um grande representante do Cinema Novo realizando um filme sobre Tom Jobim.
Quem passou a vida toda ouvindo Jobim se deleitará com o filme, que ousa ao abdicar da palavra falada. O que vemos e ouvimos nos é muito caro. Até as imagens de Jean Manzon, a quem tanto detestávamos, são redimensionadas e nos levam a um passeio pelo Rio de décadas atrás. São elas que começam a contar a história de Tom.
O encontro com Vinícius, Orfeu da Conceição, a Sinfonia da Alvorada, a Bossa Nova, o Carnegie Hall, o mundo. Nenhum compositor popular brasileiro tem a dimensão de Jobim, nenhum obteve similar reconhecimento internacional. Ninguém escreveu tantas canções tão grandes quanto as dele – nos diz, sem textos e sem falas, o filme de Nelson Pereira dos Santos.
De Elizeth Cardoso a Frank Sinatra, todos cantam Jobim. Gal Costa o introduz com Se Todos Fossem Iguais a Você. Elizeth faz Eu Não Existo Sem Você, e João Gilberto, no lado esquerdo da tela, acompanha a Divina ao violão. Os dedos de Oscar Peterson deslizam sobre o piano em Wave.
Somos levados a um mundo que só existe na nossa memória.
O título é A Música Segundo Tom Jobim. Mas, na verdade, o filme é a música de Tom Jobim segundo Nelson Pereira dos Santos. Ou um retrato do artista tirado pelo cineasta através das canções.
Tom pela luz dos olhos de Nelson.
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