QUAL A BOA?
UM ESTRANHO NO NINHO
Publicado em 15/04/2018 às 9:26 | Atualizado em 22/06/2023 às 13:37
Por Antônio Barreto Neto
Não é a primeira vez, mesmo no cinema, que a loucura é tomada como metáfora da rebeldia do homem às pressões do sistema sobre suas prerrogativas individuais. Mas nunca, antes, esta metáfora assumiu a dimensão trágica e a força poética que tem neste extraordinário Um Estranho no Ninho, segundo filme americano do diretor tcheco Milos Forman.
O fato de Randley Patrick McMurphy não ser louco (na verdade, apenas simula loucura para escapar da prisão) torna mais trágico o tipo de repressão que o filme denuncia, pois o que determina a punição terrível (lobotomia) é o perigo que seu individualismo rebelde representa em termos de liderança, para a tirania psicológica, castradora e tecnocrata exercida pela enfermeira chefe.
Ela simboliza o poder da instituição (seja qual for) como instrumento de repressão à liberdade individual, enquanto McMurphy, a estranha ave que vem perturbar a ordem interna daquele ninho, representa a individualidade violentada pelo sistema, empenhado da padronização dos comportamentos. Sua rebeldia - desde a marginalização voluntária até a defesa intransigente dos direitos humanos dos companheiros de hospício - põe a nu, através das reações que provoca, o verdadeiro caráter de quem manipula o poder repressivo.
Serena e tranquila, senhora de si e de seus impulsos, Miss Hatched impõe sua autoridade pelo temor do que pode fazer, escudada no poder de sua eficiência profissional, com a sorte dos enfermos. E, embora na base dessa autoridade tirana encontre-se a frustração sexual (sugerida com extrema sutileza por Forman), o filme é suficientemente lúcido para não atribuir a desvios freudianos a opressão que Miss Hatched exerce dentro do hospício.
Num elenco de impressionante homogeneidade, destacam-se as atuações de Jack Nicholson e Louise Fletcher como manifestações de talento invulgar. E, num filme de extraordinário nível técnico e artístico, a fotografia de Haskell Wesley, que atinge momentos de inusitada força poética na inesquecível sequência final. (27/06/1976)
A publicação do texto faz parte de uma série em homenagem ao crítico paraibano Antônio Barreto Neto, que, se estivesse vivo, teria feito 80 anos no dia quatro de abril.
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