SAÚDE
Maioria dos suícidios na PB é de homens; entenda relação entre masculidade e adoecimento psicológico
Na Paraíba e no Brasil, homens pardos e negros são os mais afetados pelo problema.
Publicado em 30/09/2022 às 9:21
Só neste ano em João Pessoa, 18 pessoas cometeram sucídio. Dessas vítimas, 15 eram homens e três mulheres. Do início de 2020 até o final de julho deste ano, foram registrados 104 suicídios na capital. Já para tentativas, o número chega a 1.164 casos. Os dados são do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan Net) e do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). O Setembro Amarelo é o mês dedicado à prevenção do suicídio, trazendo conscientização e discussões sobre o tema.
O perfil de homens como a maior parte das vítimas de suícidio é uma realidade há muitos anos na capital do estado. A pesquisadora e psicológoca Rayane Pereira realizou um estudo dos casos entre 2015 e 2016, e observou que o perfil das vítimas de suicídio é de homens, adultos, solteiros, com baixa escolaridade e profissão relacionada à agricultura.
A realidade estadual também segue o mesmo padrão. Um estudo realizado por Dalila Camêlo Aguiar, doutora em estatística, analisou os casos entre os anos de 2015 a 2019 na Paraíba. A pesquisa indica que a mortalidade por suicídio no estado apresenta tendência de crescimento e é marcada por cor e gênero. “O perfil é majoritariamente definido por homens, pardos, solteiros, em idade ativa de trabalho com 20 a 59 anos, com ligeira predominância na faixa etária de 30 a 39 anos, 4 a 7 anos de estudos e residentes das duas cidades mais populosas do estado, João Pessoa e Campina Grande”, diz em seu estudo.
No Brasil, de forma geral, a realidade é a mesma, comprovando que os homens são os mais afetados por esse grave problema de saúde pública. No entanto, não ‘quaisquer homens’: no país, os mais afetados são os homens negros. “Essa realidade nos faz pensar sobre o impacto psíquico de ter a vida atravessada por violências racistas, pelo medo difuso, pela impossibilidade de ter acesso às mesmas oportunidades de pessoas brancas, entre outras mazelas sociais vividas pela população negra”, diz Felipe de Baére, psicólogo clínico e doutor em Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília (UNB).
“A construção da masculinidade em nossa cultura faz com que meninos, desde cedo, sejam ensinados a apresentar um rol de comportamentos e posturas que irão comprovar a sua hombridade”, explica o psicólogo. “Dentre esses valores transmitidos, está a necessidade de demonstração de força e resistência, pois, de acordo com essa premissa, um ‘homem de verdade’ deve suportar as dores e ser corajoso”, afirma Felipe Baére.
Os homens em nossa cultura aprendem que o cuidado com a saúde e o autocuidado são signos de debilidade e fraqueza e, portanto, devem ser evitados".
“Para evitar serem vistos como ‘frágeis’ e ‘delicados’, pois isso seriam ‘coisas de mulher’, os homens tendem a refutar consultas de rotina ou preventivas, apenas procurando ajuda quando se encontram em estados mais agravados de saúde. Isso também se reflete na saúde mental”, relaciona o psicólogo.
Segundo o especialista, quanto mais um sujeito não corresponder aos padrões de virilidade que são exigidos dos homens em nossa cultura, mais ele estará sujeito a pressões sociais que buscarão retaliar e “corrigir” essa não correspondência.
Essas retaliações e correções têm grande impacto na saúde mental dos homens e estão relacionadas à manifestação do comportamento suicida neste grupo".
No ano passado, o Boletim Epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde trouxe dados que evidenciaram taxa de mortalidade maior entre os homens em comparação às mulheres. Além disso, os números de suicídios crescem no Brasil.
Esses números nacionais mostram que homens possuem um risco 3,8 maior de tirarem a própria vida".
“Homens apresentam mais óbitos por suicídio, enquanto o número de tentativas é maior entre as mulheres; em termos etários, pessoas idosas (acima de 70 anos e jovens apresentam taxas mais altas); pessoas LGBTQIA+ apresentam taxas mais altas em comparação a pessoas heterossexuais e cisgêneras”, diz o psicológo.
Já os dados fornecidos neste ano pelo Ministério da Saúde apontam para um crescimento de aproximadamente 8% do número de óbitos por suicídio no Brasil em 2021. De acordo com a OMS, enquanto as taxas de suicídio no mundo estão em declínio, têm aumentado nas Américas. "O Brasil corrobora para esses números e nos aponta para a necessidade de pensarmos sobre o que esse aumento diz acerca da nossa realidade”, diz Felipe Baére, psicólogo clínico.
Ter o balanço do perfil das vítimas é uma resposta importante que pode redirecionar a atenção dos gestores públicos. “Dados epidemiológicos nos auxiliam a compreender que o suicídio ocorre em determinados grupos, o que também corrobora para compreendermos esse fenômeno como um reflexo da sociedade e da cultura de uma determinada época”.
Setembro amarelo e os fatores sócio econômicos
Se os índices de suícidio entre homens são alarmantes, o que fazer em combate ao problema? A solução, de acordo com o psicólogo, está dentro e, ao mesmo tempo, além dos espaços clínicos. “Períodos como o setembro amarelo possibilitam a intensificação do debate em torno do suicídio. A abertura à tematização do suicídio também oportuniza conversamos sobre propostas preventivas que não apenas estão associadas aos espaços de fala e de escuta”, comenta.
Segundo o especialista, para chegar à raiz dos problemas relacionados à saúde mental, é preciso levar em conta principalmente os fatores sócio econômicos. “Tendo em vista que populações marginalizadas, precarizadas apresentam as maiores taxas, é preciso salientar que questões sociais, que envolvem renda, moradia, alimentação, educação são elementos essenciais para a garantia de cuidado com a saúde mental da população”.
As condições básicas, num país que agora se encontra novamente marcado pela mazela da fome, mostra o quanto o básico precisa ser garantido e que isso é também cuidado com a saúde mental".
Adoecimento psicológico e masculinidades
OJORNAL DA PARAÍBA também entrevistou um pesquisador da temática “masculidades”. Jhony Andrade tem formação em Rádio e TV pela UFPB, cursa Psicologia e é estudioso da construção de identidades masculinas. Confira a entrevista abaixo:
Podemos falar que há uma relação entre a construção da masculinidade e o adoecimento psicológico?
Jhony Andrade: Com certeza. Nós, homens, crescemos e fomos “educados”, tanto pelos nossos pais ou cuidadores, quanto pela cultura dominante, para sermos personas dominantes, vencedoras, viris, fortes. Não é por acaso que sempre ouvimos aquela famosa frase: “homem não chora” ou “engole o choro”. Isso vai sendo imposto na construção das nossas personalidades. Qualquer desvio desse papel social/cultural que é imposto e cobrado por nós e para nós causa um mal estar mental/psicológico, podendo gerar algum transtorno mental, como a ansiedade, depressão, entre outros transtornos psicológicos.
Quando nos percebemos 'diferentes' da norma, não atuando no papel que fomos educados a atuar, nos sentimos mal e deslocados".
Tais sentimentos vão causando um adoecimento mental, justamente por não fazermos parte da “norma” que é imposta que reproduzamos. Uma resposta clara para essa pergunta são as altas taxas de homens que se suicidam ou matam uns aos outros e também o alto índice de feminicídio em todo o país, que é um mal social que deve ser visto também como um reflexo do adoecimento psicológico.
Se há impactos, o que pode ser feito para diminuir este problema de saúde pública?
Jhony: Novas formas de construir a masculinidade devem ser inseridas na educação, tanto familiar quanto cultural. Enquanto nós homens fomos educados a ser sempre fortes, agressivos, que não podemos demonstrar fraquezas, sentimentos, que não podemos falhar, esse problema de saúde pública continuará.
Novas formas de construir a masculinidade devem ser inseridas na educação. Para que essa nova forma de masculinidade seja perpetuada, os homens têm um papel fundamental nessa reconstrução e ressignificação da masculinidade. Com isso, teremos homens mais abertos a conversar sobre o que sente, o que está passando, buscar ajuda e ajudar outros homens a enxergar sociedade de uma forma diferente. Concomitantemente, teremos uma sociedade e uma masculinidade menos doente.
Busque ajuda
Disque 188: o atendimento do Centro de Valorização da Vida realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, é feito por voluntários e é de graça. Qualquer pessoa que quer e precisa conversar, com sigilo, pode ligar para o 188, que funciona 24h por dia.
Em João Pessoa
- CPICS Equilíbrio do Ser: Rua João Batista Maia, s/n, Bancários. Telefone: (83) 3214-2921
- CPICS Canto da Harmonia: Rua Ulisses Alves Pequeno, s/n, Valentina Figueiredo. Telefone: (83) 3218-5873
- Caps Gutemberg Botelho: Avenida Minas Gerais, nº 409, Bairro dos Estados. Telefone: (83) 3211-6700
- Caps Caminhar e Centro de Referência do Cuidado à Vida: Rua Paulino Santos Coelho, s/n, Jardim Cidade Universitária. Telefone: (83) 3218-7008
- Caps AD David Capistrano: Av. José Soares, s/n, Varjão. Telefone: (83) 3218-5244
- Caps Infanto Juvenil Cirandar: Avenida Gouveia Nóbrega, s/n, Roger. Telefone: 3214-3333
- Pronto Atendimento em Saúde Mental (PASM): Rua Agente Fiscal José Costa Duarte, s/n°, Mangabeira. Em prédio anexo ao Complexo Hospitalar de Mangabeira. Telefone: (83) 3218-9727
- Hospital Municipal Infantil do Valentina: Av. Mariângela Lucena Peixoto, Valentina de Figueiredo. Telefone: (83) 3218-9404
Na Paraíba
O serviço do Estado é o CAPS AD III, atende pessoas que fazem uso de álcool e outras drogas de todo o estado. Fica localizado na Rua Saffa Said Abel da Cunha, 326, Tambauzinho. Telefone (83) 3218-5902.
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