VIDA URBANA
Polêmica na legislação penal
Projeto que prevê a reforma do Código divide opiniões por liberar homofobia nos moldes do racismo.
Publicado em 28/04/2013 às 6:00 | Atualizado em 13/04/2023 às 14:59
Em meados do ano passado, uma jovem de 18 anos deu à luz um menino e logo em seguida o jogou em um buraco feito em um terreno baldio, no município de Solânea, no Brejo paraibano. O fato chocou a sociedade, que considerou a atitude monstruosa.
Ao procurar assistência em um hospital da cidade, devido a uma hemorragia, a jovem acabou presa. O argumento dela foi que precisava esconder a gravidez da família e do namorado, e por isso, tentou se livrar do filho, que conseguiu sobreviver, apesar dos muitos hematomas.
Com o projeto de reforma do Código Penal, casos como esses poderão ser evitados, pois o aborto passaria a ser autorizado a partir da 12ª semana de gestação. Para realizá-lo, a mulher precisaria apenas que um médico ou um psicólogo ateste que ela não tem condições de arcar com maternidade, seja por incapacidade física ou psicológica. Caso a mudança já tivesse ocorrido, a jovem de Solânea poderia requerer o aborto logo que descobrisse a gravidez, alegando que não tinha preparo emocional e físico para ser mãe. Outras duas hipóteses poderiam ser admitidas: fetos anencéfalos ou com anomalia grave ou incurável, ou quando a gravidez for consequência de técnica de reprodução assistida não consentida.
Aos 'olhos' da Igreja Católica, a liberação do aborto seria uma afronta aos princípios divinos, que coloca a vida como o bem maior. O arcebispo da Paraíba, dom Aldo Pagotto, disse que a Igreja é totalmente contrária a essa mudança. “Nossa reação é de repúdio. O quinto mandamento é bem claro quando diz que não devemos matar”, declarou Pagotto, acrescentando que a lei de Deus é inquestionável.
“Temos compaixão das pessoas que cometem o aborto. Nossa atitude não é de rechaçar ou excomungar, mas sim de esclarecer”, frisou. O arcebispo citou o artigo 5º da Constituição Federal, que fala do direito à vida. Atualmente a prática do aborto só é autorizada quando há risco de morte para a mãe e quando a gravidez foi consequência de estupro. Já a bacharel em Direito Lucélia Martins torce para que a mudança seja aprovada. “Toda mulher tem direito a fazer o que bem entende com o corpo, acho que a discussão é pertinente”, comentou.
As propostas que tramitam no Senado Federal são polêmicas e dividem opiniões de especialistas e da própria população. Além de autorizar o aborto (dentro do contexto já citado), o projeto pede a criminalização da homofobia nos moldes do racismo e a liberação para o porte, a compra e o plantio de drogas para uso próprio (proibindo o consumo perto das escolas ou de crianças e adolescentes), dentre outras mudanças. Antes de ser submetido ao plenário, o projeto vai tramitar pelas comissões do Senado.
No mês passado, os conselhos de medicina declararam apoio à possibilidade de interromper a gravidez até a 12ª semana. Além de apoiar a mudança no Código Penal, os conselhos também acham que é indispensável a apresentação do laudo do médico ou do psicólogo para fazer a interrupção da gestação.
A justificativa é o alto número de mulheres que morrem todos os anos em decorrência de um aborto clandestino. É importante destacar que alguns médicos são contrários à descriminalização da prática.
Para o advogado Bruno Veloso, a mudança no Código Penal é uma necessidade. Ele se diz favorável às alterações. “Acho muito interessante esse debate, pois o Código em vigor é de 1940, que não condiz com a realidade. O Código Penal precisa de uma reformulação para acompanhar a evolução da sociedade”, comentou. “Os atos ilícitos cometidos hoje são diferentes dos que se cometiam antes", acrescentou.
Ele disse considerar positiva, dentre outras coisas, a criminalização específica de crimes cibernéticos, uma necessidade da sociedade moderna.
“Essas mudanças que estão sendo discutidas estão dentro do bojo da evolução, dentro da nova realidade que vivemos”, frisou Veloso.
O projeto de reforma foi elaborado por uma comissão de 15 especialistas, durante sete meses. Pela proposta, o novo Código terá mais de 500 artigos, ante os 356 atuais.
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