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VIDA URBANA

Conheça o lugar onde pode comer, beber, mas não pode beijar

Sem placa, não há quem diga que ali se encontra um bar. Aliás, bar não, que aquilo ali não é bar. Tampouco restaurante, é simplesmente a "Residência do Mário"  

Publicado em 01/03/2015 às 16:00 | Atualizado em 21/02/2024 às 12:33

Se, antes, a grande João Pessoa já foi conhecida pela calma e acolhimento que lhes eram característicos, hoje, com seus arranha-céus e trânsito caótico, o local onde o sol nasce primeiro foi invadido pelos raios da modernidade. Isso, no entanto, não significa que a cidade não esconda recantos onde a tradição e a calmaria estejam em primeiro lugar. É o caso da Residência do Mário, em Cabedelo, município localizado na Grande João Pessoa. Lá, o conforto faz morada e a simplicidade lhe completa. Só tem um detalhe: não pode beijar.

O sorriso ele leva no rosto, carregando também sua experiência. De cabelos brancos, uma pele já morena - e queimada pelo sol -, seu Mário, como é chamado por toda a comunidade, tem a fala mansa, até um pouco baixa, mas, de um jeito que é só dele, sabe se impor. E que ninguém lhe diga o contrário. Lá, no seu restaurante, é proibido beijar. Comer pode, mas beijar, não. E que ninguém se atreva a desobedecer.

O local fica na rua principal de Camalaú, em Cabedelo, já próximo à balsa. Sem placa nem letreiro, não há quem diga, de fora, que ali se encontra um bar. Aliás, bar não, que aquilo ali não é bar. Tampouco restaurante. Trata-se, simplesmente, da "Residência do Mário", como é chamado. E isso, é bom que fique bem claro, porque é ele quem diz, taxativo: "Eu não tenho bar nem restaurante. Não tem placa, não tem nada. Só tem ‘Residência do Mário’, viu só? Só tem isso", fala, referindo-se à entrada do local.

De número 889, sua casa (como lhe convém chamar) tem um muro branco, portão cinza. O portão fica aberto quando o comércio tá funcionando. Se não, é tudo fechado, e que cada um fique em seu lugar. Dois passos adiante, encontra-se logo uma grade, que, a princípio, fica fechada: ali só entra quem ele quer. E, presa à grade, uma placa que mostra logo quais são as primeiras regras: em letras vermelhas, chamando a atenção, lê-se, logo, "Não é permitido a entrada em trajes de banho ou sem camisa".

Caso o cliente seja aceito – se estiver dentro das condições exigidas -, ele é convidado a entrar. E, aí, já dá para se sentir mais à vontade: a próxima placa que se vê é um pouco mais cordial e preconiza o que há de melhor que vem pela frente: "Aqui tem uma família para receber a sua família". A mais pura verdade. Seu Mário tem seis filhos, dez
netos, um bisneto. No local, hoje vivem apenas ele e sua esposa. Mas é seu neto, que do avô leva o sobrenome, Erick dos Santos, quem está à frente do negócio. Não que Seu Mário não continue, ainda, de certa forma, no comando. Ajuda no que é preciso, e, principalmente, recebe os clientes, sempre que dá.

Com a ajuda do seu neto, ali, como acontece hoje, na Grande João Pessoa, o antigo e o moderno vivem em comunhão. Se de um lado se vê uma placa onde se diz que é proibido beijar, do outro vê-se o anúncio de que tem Wi-Fi. Do petisco ao cafezinho, a Residência do Mário oferece de tudo: inclusive, para a surpresa de muitos, bebida alcoólica. Da cerveja à cachaça, o cliente pode se servir de um tudo - desde que não se sirva muito (isso, claro, quando se trata de bebida - comida, pode comer à vontade).

Seu Mário tem 82 anos, há 50 mora naquela casa, e há 24 deu início à Residência do Mário, o inusitado lugar onde não se pode beijar. (Foto: Herbert Clemente)

A problemática ele explica, e explica em meio a uma confissão: "Todo comerciante mente. E se diz que não mente aí já tá a própria mentira". A mentira dele, ele conta, ocorreu já faz algum tempo. Logo de início, vendia-se cachaça no local. Não que hoje não venda, não é isso. Mas muitos clientes iam para lá e pediam uma, duas, três, uma infinidade de doses e ali ficavam. Bebendo e conversando. Para acabar com aquela (maldita) mania, ele começou, devagarzinho, a salpicar algumas mentiras no conversê dos clientes: “O fornecedor da cachaça tava em falta, fazia tempo que não vinha. Olha, por isso é que a gente não pode beber muito. Tem, tem cachaça, sim, mas só posso lhe dar uma dose, duas, talvez, que é pra não faltar pro próximo cliente. Entende?”

E, assim, em meio a uma conversa e outra, uma história fugaz e outra mais demorada, seu Mário faz festa e conversa com qualquer um que ali chega. Sua idade está nos cabelos brancos, e não nega: são 82 anos de muita história para contar. Natural de Santa Rita, faz piada sobre o seu passado: “Vim parar aqui como aquela novela. Sem lenço nem documento. Mas aqui acabei ficando", conta.

Se hoje tem 82 anos, há 50 mora naquela casa, e há 24 deu início à Residência do Mário. As coisas começaram meio sem querer, como quem nada quer: não foi um sonho, mas a necessidade que fez tudo se encaminhar. A necessidade e o goiamum,
claro, que ninguém há de lhe tirar sua participação. Entre tantas iguarias que são oferecidas no local, é o goiamum que leva o nome de melhor goiamum da cidade, assim como o pirão: “A gente começou de repente. O primeiro homem que comeu goiamum aqui comeu ali, naquela área, tinha nem mesa. Aí ele provou o pirão que minha mulher fez e foi espalhando. Propaganda boa pega rápido, ruim mais ainda, você sabe. De repente foi chegando um, chegando outro, eu acabei comprando uma mesinha, aos poucos fui ajeitando o espaço”, conta, entre sorrisos.

O local, que já passou por algumas reformas, deixou de lado a palhoça e hoje conta com uma estrutura mais firme. Os banheiros deixaram de ser de plástico, mas uma coisa continua: na porta, do lado de fora, o que indica qual o masculino e qual o feminino são duas fotos: uma de seu Mário, outra de sua mulher. Em cada canto é possível perceber o aroma familiar.

No aroma, sente-se também o cheiro do goiamum. É que eles ficam bem ali ao lado, esperando para serem escolhidos. Funciona assim: o cliente escolhe, diz sua preferência, como ele quer, e assim é feito. Tratados como reis, os fregueses são elegidos, mas também são bem tratados: “O pouco com Deus é muito, o muito sem Deus não é nada.

Se eu deixasse entrar aqui quem quer que fosse, eu podia ganhar uns trocados a mais, mas eu também não ia ter os clientes que eu tenho. E de que é que ia me adiantar?”, resume o senhor de cabelos brancos.

E a pergunta que não quer calar vem em seguida, com uma resposta para lá de adequada. E se alguém for pego beijando, o que é, então, que acontece? "Se eu tiver visto, e o 'caba' pedir desculpa, tudo bem, a gente se acerta por ali. Mas se fizer
novamente, não tem outra forma. É o jeito ele pagar a sua conta e ir embora", finaliza.

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Jornal da Paraíba

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