COTIDIANO
Arquiza, drag paraibana do 'Queen Stars', lamenta crítica sobre seu sotaque
Um usuário escreveu no Twitter que o sotaque da representante da Paraíba no reality é "muito forte" e que "não é comercial". Mestre em sociolinguística explica ao JORNAL DA PARAÍBA que há um estigma sobre sotaques fora do Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
Publicado em 01/04/2022 às 16:35
A drag queen paraibana Arquiza, de João Pessoa, participante do reality show “Queen Stars”, da HBO Max, falou com o JORNAL DA PARAÍBA, nesta sexta-feira (1º), sobre um comentário nas redes sociais relacionado ao seu sotaque. Um usuário escreveu no Twitter que o sotaque da representante da Paraíba no reality é "muito forte" e que "não é comercial".
Arquiza respondeu o comentário, dizendo que seu sotaque são as suas raízes. "Eu não acredito que eu li isso. Que pensamento pequeno, meu sotaque são minhas raízes e eu passei algum tempo escondendo ele pra cantar e eu não farei mais isso! Ngm precisa mudar sua essência pra agradar a ninguém be”.
Ao JORNAL DA PARAÍBA, Alex Monteiro, que personifica Arquiza, disse que ficou muito triste com a situação e que já chegou a tentar mudar o próprio sotaque em suas músicas autorais.
“Eu fiquei triste principalmente por saber que veio de alguém daqui, que sabe das dificuldades que a gente encara, que a gente é ensinado que o nosso sotaque não vai nos levar a canto nenhum. Eu mesmo passei por essas crises nas minhas primeiras músicas autorais, mudava meu sotaque, porque eu ouvia comentários depreciativos e acreditava nisso”.
A drag queen garante que não vai mudar seu sotaque para continuar representando a Paraíba no ‘Queen Stars’. “Não é mais uma opção pra mim mudar meu sotaque porque não é quem eu sou”.
A fonoaudióloga Celiane Ugulino, especialista em voz, explica que sotaque e dicção são coisas diferentes, apesar de se encontrarem em questões como o vocabulário, melodia e entonação. Por exemplo, a depender do local onde a pessoa se encontra, certas expressões podem não ser entendidas por todos.
“Sotaque é o que determina uma região, um povo, um modo de falar, a cultura de uma determinada região. Para isso, várias coisas influenciam: vocabulário, melodia, entonação de algumas palavras. A dicção está mais relacionada à pronúncia. A forma articulatória”.
O JORNAL DA PARAÍBA conversou com André Sousa Silva, mestre em linguística com foco em estudos sociolinguísticos. Ele explica que há um estigma sobre os sotaques do Nordeste, assim como de outros locais longe do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, padrão que se repete na lógica capital-interior.
“A capital é a marca do desenvolvimento, e o interior é o lugar que precisa ir à capital buscar aquilo que não chega até ele. Pensando nisso, no Brasil em sua extensão territorial, o Nordeste não teria o desenvolvimento, enquanto Sul, Sudeste e Centro Oeste são vistos como sendo onde o desenvolvimento emerge”.
André continua explicando que outros modos de falar do Sul, Sudeste e Centro-Oeste são vistos como um padrão, atribuído e alimentado pelos próprios sujeitos. “Ele diz ‘a gente sabe disso', mas a gente sabe disso, em que sentido? No sentido de todo mundo concorda? Porque uma coisa é perceber que há um padrão, mas não quer dizer que nós precisamos ficar presos a esse padrão”.
Sobre paraibanos e nordestinos orientando mudanças em sotaques locais, o mestre em sociolinguística diz que enxerga uma insegurança linguística. Ele acrescenta que quanto mais representatividade de modos diferentes de falar na mídia, esse padrão pode mudar. "Quando nós começamos a alimentar um novo senso comum sobre a língua consequentemente vamos estar contribuindo para a construção de novos padrões do que seja certo e errado, do que é bonito e do que é feio".
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