COTIDIANO
Entenda a operação que investiga fraude milionária em aposentadorias na Paraíba
Os investigados também são suspeitos de fraudarem empréstimos para idosos, excluírem registros de inadimplência e reativarem milhas expiradas.
Publicado em 16/05/2025 às 9:46 | Atualizado em 16/05/2025 às 14:54

A segunda fase da Operação Retomada, deflagrada na manhã desta sexta-feira (16), investiga fraudes em aposentadorias na Paraíba. Mandados de busca estão sendo cumpridos na Paraíba e em São Paulo. A ação contou com a participação do Gaeco, da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Polícia Civil.
O Jornal da Paraíba explica os detalhes da operação e do esquema que realizava descontos indevidos em aposentadorias, causando um prejuízo de mais de R$ 120 milhões.
O que a segunda fase da operação investiga?
A operação apura a atuação de associações suspeitas de aplicar descontos indevidos em benefícios previdenciários, sem autorização das vítimas. É uma continuação da primeira fase da operação, deflagrada em dezembro do ano passado (leia mais abaixo).
Segundo o Gaeco, as investigações apontam a participação de um servidor do Poder Judiciário da Paraíba e de advogados na captação de nomes para figurarem como associados de entidades constituídas de forma fraudulenta.
Quantos mandados foram cumpridos?
Foram cumpridos seis mandados judiciais nas cidades de João Pessoa, Cabedelo, Sapé e no estado de São Paulo.
Como funcionava o esquema?
De acordo com o Gaeco, os suspeitos ajuizavam ações coletivas em juízos escolhidos previamente, mesmo sem qualquer vínculo com as partes envolvidas, e elaboravam decisões judiciais favoráveis aos integrantes do esquema.
Com isso, os investigados conseguiam autorizações para realizar descontos indevidos nos benefícios previdenciários de aposentados e pensionistas de diversos órgãos públicos, incluindo o INSS.
Segundo o Gaeco, as associações, controladas por advogados, operavam como instituições financeiras informais, à margem da regulação do Banco Central e das normas de proteção ao consumidor.
Segundo a investigação, as entidades foram usadas para ajuizar as ações fraudulentas com aparência de legalidade, mas sem funcionamento real, sem sede física válida e sem relação com os supostos associados. Elas tinham endereços repetidos, usavam documentos falsificados e serviam à fraude contra instituições financeiras, consumidores e idosos.
Outras fraudes realizadas pelo organização criminosa também são investigadas:
- Fraudes envolvendo empréstimos ofertados a idosos, por meio de "associações fictícias";
- Advogados são suspeitos de aliciar aposentados e pensionistas e induzir as vítimas a assinar termos de adesão que encobriram contratos com juros abusivos, disfarçados de mensalidades para serviços inexistentes;
- Esquema concedia liminares para excluir registros de inadimplência (como os do SPC e da Serasa) sem que as dívidas tivessem sido realmente pagas;
- Suspeitos suspendiam descontos de empréstimos consignados em contracheques, liberando artificialmente a margem consignável para novos empréstimos, sem o pagamento das operações anteriores;
- Investigados são suspeitos de reativar créditos vencidos ou mudar regras de programas de fidelidade de companhias aéreas, garantindo o uso de milhas expiradas ou benefícios não previstos em contrato.
Como os suspeitos conseguiram fraudar ações judiciais?
Segundo o Gaeco, as ações judiciais apresentadas pelos suspeitos eram protocoladas em comarcas controladas pela organização criminosa. Nelas, eram feitos pedidos de validação de “adesões” fora do processo comum, sem ouvir o contraditório e sem participação do Ministério Público.
O Gaeco também afirma que as decisões eram emitidas em tempo recorde e se baseavam em documentos falsificados, o que dava aparência de legalidade aos descontos feitos de forma indevida. Em muitos casos, as vítimas nem sabiam da existência das ações e só descobriam quando percebiam quando seus benefícios eram atingidos.
Além disso, os processos corriam em segredo de Justiça, o que impedia a atuação de órgãos de controle e o direito de defesa das vítimas — em sua maioria, pessoas em situação de maior vulnerabilidade.
Quem são os alvos da investigação?
Advogados e um servidor público foram alvos de busca e apreensão na segunda fase da Operação Retomada, mas o Gaeco não divulgou qual seria a participação de cada um no esquema.
- Hilton Souto Maior Neto - Apontado como articulador central do esquema. Intermediário entre advogados e o juiz Glauco Coutinho Marques. Suspeito de usar “laranjas” e tinha a própria associação de fachada.
- Armando Palhares Silva Júnior - Usado como “laranja” para ajuizar ações em Gurinhém. Associado a Hilton, sem vínculo territorial com a comarca.
- Guilherme Queiroz e Silva - Advogado com papel de liderança técnica. Suspeito de atuação forte nas fraudes de “limpa margem” e “revitalização de milhas”. Também é criador de associações de fachada, como ANDCONSEP.
- Jairo Sayao Meletti - Advogado e “arquiteto jurídico” do esquema. Suspeito de participava das decisões estratégicas e da divisão de lucros.
- Irley de Souza Carneiro da Cunha - Chefe de Cartório em Caaporã. Suspeito de manipular decisões e receber propinas. Intermediário na produção de sentenças e acordos fraudulentos.
- Rackson Santos de Lima Renor - Suspeito de atuar na produção de documentos falsos e modelos de sentenças. Executava ordens de Guilherme Queiroz e seu filho.
- Juiz Glauco Coutinho Marques - Suspeito de conceder decisões liminares em massa e homologava acordos falsos. Investigação aponta que ele recebia vantagens financeiras via assessores e interpostos. Manipulava processos com documentos produzidos por advogados externos.
Onze instituições e associações também são investigadas por envolvimento no esquema. São elas:
- Programa Brasileiro de Assistência aos Servidores Públicos - PROBASP
- Associação Programa de Assistência aos Aposentados e Pensionistas-PAAP
- Associação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas- AB NACIONAL / ABRAP
- Associação Nacional dos Aposentados e Pensionistas da Previdência Social- ANAPES / AAPB
- Interativa Associação Brasileira de Defesa do Consumidor -IABDC
- Associação em Defesa dos Direitos dos Consumidores- (sem sigla oficial)
- Associação ANDC em Defesa do Consumidor- ANDC
- Grupo Amigos do Consumidor - ABDC / GAC
- Programa Nacional de Assistência Solidária- PRONAS
- Associação Comunitária Amor ao Próximo- ACAP
- Associação Nacional de Defesa dos Consumidores e Servidores Públicos- ANDCONSEP
O que dizem os investigados
Em contato com o Jornal da Paraíba, o advogado Hilton Souto Maior Neto disse que está aberto para colaborar com a Justiça no que for preciso. Ele afirmou ainda que não advoga e nunca advogou na área previdenciária, que não tem associações e nem relação com elas. Disse ainda que acha um absurdo qualquer esquema que prejudique aposentados.
A Rede Paraíba de Comunicação tentou contato com Irley de Souza Carneiro e Jairo Meletti, mas não obteve retorno até o momento.
Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil na Paraíba (OAB-PB) informou que está acompanhando, por meio de sua Comissão de Defesa das Prerrogativas, os desdobramentos da operação. A instituição diz que está ligada ao compromisso com o devido processo legal e o respeito às garantias constitucionais.
O Jornal da Paraíba não conseguiu localizar a defesa dos outros envolvidos até o momento de publicação desta matéria.
Qual é o prejuízo causado pelas fraudes?
Onze associações e entidades são investigadas por participação em um esquema de descontos ilegais em benefícios previdenciários, que teria causado um prejuízo superior a R$ 126 milhões, segundo o Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco).
De acordo com o Gaeco, mais de 230 ações coletivas foram ajuizadas na Paraíba por essas instituições, impactando mais de 100 mil aposentados e pensionistas em todo o país. O nome das instituições e entidades suspeitas não foi divulgado.
Existe relação com as fraudes no INSS investigadas pela Polícia Federal?
A Controladoria-Geral da União (CGU) afirmou que, até o momento, a Operação Retomada não tem relação com a Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal, que também apura descontos indevidos em aposentadorias.
O órgão esclarece que as fraudes investigadas na Paraíba ocorreram em contextos distintos, envolvendo a manipulação prévia de decisões judiciais. Já no caso investigado pela PF, as entidades “associavam” aposentados e pensionistas sem consentimento, utilizando assinaturas falsas e liberando descontos em lote, sem autorização individual.
Uma das entidades sob suspeita, a Associação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil (AAPB), também é alvo de apuração da Polícia Federal no âmbito da Operação Sem Desconto.
O que aconteceu na primeira fase da operação?
A primeira fase da Operação Retomada ocorreu no dia 11 de dezembro de 2024, a partir de elementos que indicaram a participação de um juiz da Justiça da Paraíba e de advogados no esquema.
Na ocasião, foram cumpridos mandados de busca, resultando na apreensão de documentos, dispositivos eletrônicos e outras provas que permitiram o avanço das investigações.
De acordo com as investigações, associações fraudulentas como a Interativa Associação Brasileira de Defesa do Consumidor e a Associação de Assistência aos Aposentados e Pensionistas ajuizaram ações coletivas na Comarca de Gurinhém em nome de pessoas idosas que não possuíam qualquer vínculo com as entidades.
A análise do material recolhido naquela etapa possibilitou a identificação de novas frentes investigativas, o que culminou na deflagração da segunda fase da operação.
Ainda de acordo com o Gaeco, com as medidas judiciais implementadas na primeira fase, já foi possível o bloqueio de valores em contas bancárias das associações, que somam mais de 10 milhões de reais.
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