icon search
icon search
home icon Home > cotidiano
compartilhar no whatsapp compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin copiar link deste artigo
Compartilhe o artigo
compartilhar no whatsapp compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin copiar link deste artigo
compartilhar artigo

COTIDIANO

Fernanda Torres, o Facebook e um mundo menos online

Publicado em 06/11/2017 às 6:16 | Atualizado em 31/08/2021 às 7:44

Dias atrás, reencontrei um amigo queridíssimo que não via há dois anos. Ele estava de passagem por João Pessoa. Fui pegá-lo no hotel e saímos para jantar.

Conversamos durante umas três horas. Política, música, redes sociais, livros, memória afetiva, etc.

Meu celular estava no bolso, desligado. O dele ficou no hotel.

Que bom! Conversamos sem esse tipo de interferência. Sem redes sociais, sem whatsapp, sem nada.

Uma noite analógica!

Posso dizer assim?

Esse mundo cem por cento online é um mundo doente. Precisamos, ao menos um pouco, de um mundo offline.

Sem a intolerância e as ofensas que vemos todos os dias nas redes sociais. Sem o contato com a legião de idiotas - aquela a que Eco se referiu.

Com o prazer e a alegria da conversa olho no olho.

Da música que podemos ouvir juntos.

Do filme que também podemos ver juntos.

Do encontro casual num café.

Da troca de afetos.

Faço uso profissional do Facebook. Compartilho minha coluna e interajo com leitores.

Acho muito interessante, não vou negar. Acompanho os comentários, as curtidas, os compartilhamentos, respondo. Fiz amigos e amigas que gostaria de conhecer pessoalmente.

Mas, ao deslizar o dedo sobre a tela, acabo vendo o que me violenta, o que é inaceitável, o que não necessito para a minha vida, o que pode, por exemplo, tornar o Brasil um país irrespirável na campanha eleitoral de 2018.

A atriz Fernanda Torres (na foto, ao lado da mãe, Fernanda Montenegro, numa entrevista a Pedro Bial) falou dessas questões num artigo muito lúcido na Folha de S. Paulo.

A boceta de Pandora é o título.

Leiam, se tiverem tempo.

Reproduzo na íntegra.


				
					Fernanda Torres, o Facebook e um mundo menos online

A boceta de Pandora

Fernanda Torres

Minha mãe e eu entramos no Facebook quase que por obrigação. Depois de dar com dezenas de perfis falsos de nós duas, a rede nos aconselhou a criar dois faces oficiais, para evitar a multiplicação de clones.

Neste mês, impressionadas com o levante contra exibições de arte, postamos dois vídeos, em apoio à educação e à cultura. O enxovalho foi geral, postagens virulentas, que ultrapassavam os limites da razão.

Já recebi manifestações contrárias, sem nunca barrar internautas. Notei, no entanto, um crescimento impressionante do poder de "haters", nos últimos dez anos. Dessa vez, a ferocidade se concretizou em ameaças de morte e linchamento, em xingamentos de puta, velha, babaca e gagá, culminando com um aviso de que o revoltado aceleraria o carro para cima de dona Fernanda, caso a visse cruzar a esquina.

Se o indignado se sente impune para manifestar, em público, o delírio de passar com as quatro rodas sobre o corpo de minha mãe, quem garante que ele não o realizará?

O receio nos fez, pela primeira vez, reportar ao Facebook as intimidações mais assombrosas. E essa foi a resposta dada pelo Big Brother a todos os posts enviados:

"Examinamos o comentário e, embora ele não vá contra nenhum dos nossos Padrões da Comunidade específico, você fez a coisa certa ao nos informar."

Se a ameaça de morte e linchamento não desrespeita os padrões, o que o desrespeitaria? Conheço gente banida do Face por ter postado fotos nuas, mas o corpo nu, hoje, provoca mais repúdio do que cano de uma metralhadora.

Reportagem recente, no "Guardian", esclarece a nova ordem das moralidades e responsabiliza, em parte, a indústria tecnológica pela escalada da agressividade.

A crítica não parte de nenhum santo avesso às redes, pelo contrário, o mea culpa vem deles, dos reis do Silicon Valley que, hoje, passados dos 30 anos, acreditam terem aberto uma boceta de Pandora.

Justin Rosenstein, o criador do like do Facebook, e seus pares, e são muitos na reportagem, explicam que todos os dispositivos psicológicos de adição foram usados para manter o internauta ligado ao smartphone.

A maneira como deslizamos os dedos para ler o próximo post é semelhante ao das máquinas de caça-níqueis que rodam ícones na frente do jogador. Avisos em vermelho pedem para serem apagados; os likes proporcionam satisfação momentânea, que logo quer ser renovada.

Não é mais possível resistir ao aparelho, assistir um filme inteiro sem checá-lo, jantar com os filhos sem responder à demanda, ou dormir sem o celular na cabeceira.

Compulsão similar ao da dependência da nicotina, do jogo e da droga, que desperta no adito frustração, raiva, rancor, solidão, ódio e irracionalidade. Comportamento exacerbado, visível em insultos e certezas cegas das redes; bem como na ascensão de lideranças afinadas com a ofensa e a radicalidade.

Tristan Harris, ex-empregado do Google, dedica-se ao estudo da manipulação mental da nova indústria. É um dos que, cientes do estrago, reflete sobre a possibilidade de, com a mesma ciência que criou o monstro, redefinir uma ética que influencie outros padrões na comunidade.

PS. O Teatro Oficina será emparedado por espigões de cem andares. Lina Bo Bardi, Dionísio, a história do teatro e de José Celso Martinez Corrêa foram vencidos pela especulação imobiliária. Que exemplo triste da ignorância que nos rege agora.

Imagem

Silvio Osias

Tags

Comentários

Leia Também

  • compartilhar no whatsapp
  • compartilhar no whatsapp
    compartilhar no whatsapp
  • compartilhar no whatsapp
  • compartilhar no whatsapp
  • compartilhar no whatsapp