icon search
icon search
home icon Home > cotidiano > vida urbana
compartilhar no whatsapp compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin copiar link deste artigo
Compartilhe o artigo
compartilhar no whatsapp compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin copiar link deste artigo
compartilhar artigo

VIDA URBANA

Após 60 anos, Fazenda Antas é desapropriada

Decisão do Supremo Tribunal Federal no início de fevereiro, manteve desapropriação da Fazenda Antas, na zona rural de Sobrado. 

Publicado em 02/03/2014 às 6:00 | Atualizado em 07/07/2023 às 12:39

A terra que por muitos anos foi alvo de conflito entre trabalhadores e latifundiários, e deu início à história das Ligas Camponesas na Paraíba, com a luta de João Pedro Teixeira, agora virou motivo para comemoração. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no início de fevereiro, manteve a desapropriação da Fazenda Antas, na zona rural do município de Sobrado, distante cerca de 60 quilômetros de João Pessoa, e devolveu aos trabalhadores a esperança de ter um pedaço de terra para garantir o sustento da família.

Foram 60 anos de luta, ameaças, despejos, destruição de lavouras e violência. Nesse intervalo de tempo, muitas pessoas morreram; outras nasceram; e algumas perderam a esperança.

As famílias dos acampados souberam da decisão do STF no dia seguinte. Alguns não conseguiram segurar as lágrimas, a exemplo de Marlene Maria do Nascimento, que acompanhou a luta desde a adolescência. “Meu pai já vivia nesse conflito, ele foi escravo por muito tempo”, declarou.

O processo foi retomado na Justiça há 15 anos, mas a luta começou em 1954, quando o movimento organizado por camponeses, que reivindicavam a reforma agrária, foi alvo da repressão da Ditadura Militar. O líder João Pedro Teixeira foi assassinado em 1962, e logo depois sua esposa, Elizabeth Teixeira, que atualmente mora na capital paraibana, assumiu a presidência da Liga de Sapé. Ela continuou a luta do marido, em defesa dos trabalhadores rurais.

O tempo passou e dezenas de famílias continuam acampadas na comunidade de Antas, às margens do rio Gurinhém, em condições precárias de sobrevivência. Os camponeses resistiram à pressão e continuaram lutando pela reforma agrária. Um deles foi João Victor Oliveira, hoje com 53 anos.

Anos mais tarde, as ameaças também se estenderam a Oliveira. “Por muitas vezes tive que fugir de madrugada com as crianças nos braços para não ser morto. As ameaças eram constantes”, afirmou. Segundo ele, foram anos de conflito pesado e muita violência. O trabalhador chegou a ser expulso da fazenda.

“Depois da expulsão, eu e outros trabalhadores decidimos ocupar a fazenda novamente e foi aí que o conflito começou. O proprietário destruía as lavouras e aquilo nos causava revolta”, destacou. O medo era tanto que os camponeses cavavam buracos nas paredes e no chão para servir de esconderijos. “Ninguém tinha o direito de ficar de bobeira conversando, era bala para todo lado”, disse o trabalhador.

O conflito em Antas envolveu gerações. Filho de posseiro, Manoel Paulo Francisco, 54, viu o pai chorar pela situação.

Quando se envolveu diretamente na luta, os filhos ainda eram pequenos. Hoje já é avô. Com a neta de cinco meses nos braços, Francisco disse que tem esperança de dias melhores, com dignidade e respeito. “Eu nunca tive isso, mas sempre lutei para que meus filhos e netos tenham uma vida diferente”, ressaltou.

FAZENDA PASSA A SER DOMÍNIO DA UNIÃO

O superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária na Paraíba (Incra-PB), Cleofas Caju, disse que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) representa um marco na luta dos camponeses no Estado. Segundo ele, há 17 anos os trabalhadores da localidade requereram ao órgão a desapropriação do imóvel (Fazenda Antas) alegando que a propriedade não estava cumprindo o papel social. “A partir daí se travou o conflito, inclusive com o assassinato de um trabalhador, mas a luta continuou”, declarou.

Atendendo aos apelos dos camponeses, o Incra abriu o processo de vistoria para verificar se o imóvel cumpria ou não o papel social. Caju lembrou que em 2006 o governo federal decretou a área como de interesse social para fins de reforma agrária. “Com o decreto o Incra teve a possibilidade de avaliar o imóvel, mas outra decisão acabou suspendendo os efeitos do decreto”, afirmou.

Agora, o Incra vai aguardar a publicação do acórdão no Diário Oficial para então fazer a vistoria de avaliação e aferir o valor do imóvel. Segundo o superintendente, nada impede que o proprietário da fazenda manifeste o desejo de recorrer, “mas acredito que não surtirá efeito algum”. Ele disse ainda que vai pedir apoio da polícia para garantir a segurança dos peritos agrários.

Nesse momento, conforme explicou Caju, o imóvel passa a ser domínio da União, sob a governança do Incra. “Vamos proceder com a seleção e assentamento das famílias”, declarou. O superintendente explicou que a fazenda Antas tem dimensão de 507 hectares. Inicialmente cerca de 60 famílias estavam envolvidas diretamente no processo, mas muitas desistiram da luta e hoje algo em torno de 20 ainda aguardam a divisão da terra.

ACAMPADOS REVELAM PERDAS HUMANAS

Os dias de trabalho na fazenda Antas também deixaram marcas na memória de Joseano Idalino Pereira, hoje com 43 anos. O que ele mais lamenta é o fato da esposa ter morrido (de causa natural) sem ver a divisão da terra. “Ela sofreu junto comigo. Era o maior sonho dela, mas infelizmente isso não foi possível. Ela me deixou com sete filhos”, declarou.

Idalino chorou copiosamente quando soube da decisão do STF. Mesmo sem entender a linguagem jurídica, pelo baixo grau de instrução, ele comemorou o indeferimento do mandado de segurança. “Os homens da Justiça estão do nosso lado, porque é aqui que está a verdade, é aqui que está a luta de muitos anos”, comentou o trabalhador, que também teve medo de morrer nesse conflito.

Conforme relato de Idalino, ele trabalhou em regime de escravidão na fazenda Antas. “Nunca tive o gosto de pegar em dinheiro. A gente recebia um vale para comprar na cidade, e não dava para comprar nada. Era um sofrimento, era escravo mesmo”, frisou. Ele contou que uma vez capangas da fazenda correram atrás dele para dar uma surra. “Deram bobeira e eu corri, só pensava nos meus filhos, que já estavam sem a mãe”, comentou.

Imagem

Jornal da Paraíba

Tags

Comentários

Leia Também

  • compartilhar no whatsapp
  • compartilhar no whatsapp
    compartilhar no whatsapp
  • compartilhar no whatsapp
  • compartilhar no whatsapp
  • compartilhar no whatsapp