VIDA URBANA
Médicos denunciam rotina de ameaças em postos de saúde
Problema, frequente em unidades de saúde pública, é confirmado pelo sindicato da categoria.
Publicado em 01/03/2016 às 10:00
“Os postos de saúde estão pedindo socorro!” O depoimento de uma médica da família de João Pessoa que não quer ser identificada e revela o clima de insegurança a que muitos profissionais da saúde são submetidos nos seus postos de trabalho. Agressões verbais, físicas e ameaças viraram rotina na vida de médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde. Tempo de espera, número reduzido de profissionais e desconhecimento da rotina de atendimento das unidades de saúde são os principais motivos das agressões. A violência, inclusive, é um dos fatores que mais levam os profissionais a solicitarem transferência de postos de trabalho.
A sensação de medo e os sintomas de estresse são corriqueiros na vida da médica citada na reportagem, que trabalha em Postos de Saúde da Família (PSF) há 10 anos. Episódios que terminam em pontapés na porta do consultório, ameaças e palavrões não surpreendem mais a profissional, mas ainda têm o poder de chocá-la. “São pessoas que não querem esperar, que sofrem com a deficiência do sistema, como nós também sofremos”, diz. A médica reclama da falta de segurança nos postos e ressalta o aumento da violência. “O consumo de droga aumentou e a violência é reflexo disso. É preciso cuidar melhor dos profissionais da saúde. Há uma desvalorização generalizada desses profissionais”, reclama.
O presidente do Sindicato dos Médicos da Paraíba (Simed-PB), Tarcísio Campos, afirma que a violência sofrida por médicos em unidades de saúde não é uma novidade e vem aumentando. O sindicalista aponta a falta de médicos como um dos motivos que mais levam à irritação dos pacientes e acompanhantes. “Em alguns lugares, onde era pra ter quatro profissionais, existem apenas dois para dar conta de uma demanda grande. O paciente acaba se irritando, perde o controle emocional e desconta no profissional”, disse.
A violência, inclusive, não atinge apenas os médicos, mas todos os profissionais da saúde. Enfermeira no setor de Acolhimento do Hospital Ortotrauma (Trauminha), em Mangabeira, a profissional que também não quer se identificar já perdeu as contas das agressões verbais que sofreu e presenciou no setor que trabalha. “Muitos pacientes chegam querendo atendimento, mas nem sempre o hospital é referência para aquele problema específico. Eles não entendem essa dinâmica e por mais que a gente tente explicar, muitos ficam revoltados e acabam agredindo todo mundo”, declarou.
CRM: profissional pode não atender
O diretor de Fiscalização do Conselho Regional de Medicina (CRM), João Alberto Morais Pessoa, declarou conhecer a gravidade da situação, revelando que ela não é tão recente. Segundo ele, os médicos são os mais vulneráveis e acabam pagando o preço de uma saúde ineficaz. “À medida que a saúde pública se deteriora, nessa cascata de descasos, o médico tem muito pouco a oferecer ao paciente. Só ele não é o suficiente. É preciso ele, laboratório, medicamento e diagnóstico adequado, então isso acaba ocasionando irritabilidade no paciente”, destacou.
João Alberto disse que pouco o CRM pode fazer para melhorar essa situação, visto que é questão de segurança pública, mas ele orientou os médicos que se sintam ameaçados a não irem trabalhar. “O médico que se sinta ameaçado ou sofra alguma agressão tem amparo legal, por meio do seu Código de Ética, de deixar de prestar aquele serviço. A menos que seja um serviço de urgência e emergência”, disse. Ele ainda orientou que, em caso de violência, os médicos precisam registrar a ocorrência.
A Polícia Militar, por sua vez, através da assessoria de comunicação, destacou que todas as viaturas são orientadas a parar nos PSFs e hospitais para saber se está tudo normal e garantir a tranquilidade dos profissionais. Quanto à instalação de UPS, a PM informou que, até o momento, não tem nada previsto nesse sentido.
Transferência para outros bairros de JP
A violência que chega aos PSFs e hospitais faz com que muitos profissionais peçam transferência para outros bairros da capital. A enfermeira do Ortotrauma é uma delas. “O estresse é muito grande neste setor e eu quero muito ser transferida. Venho pedindo isso”, conta. O gerente da Atenção Básica da Secretaria de Saúde de João Pessoa, Giliard Abrantes, garante que as agressões são sempre verbais e que não há registros na Prefeitura - pelo menos nos últimos dois anos - de agressão física a profissionais da saúde. “Se houve, essa informação não chegou à secretaria”, pondera.
Abrantes ressalta que o profissional vítima de agressão pode acionar a Assessoria Jurídica da Prefeitura para que ela tome as medidas cabíveis, entretanto, a grande maioria não leva os casos adiante. Os profissionais também são orientados a prestar um Boletim de Ocorrência.
Sindicato diz que postos e hospitais não têm segurança
O presidente do Simed-PB destaca a falta de segurança em postos e hospitais da rede pública e afirma que já solicitou da Prefeitura providências para a instalação de postos policiais no Hospital Ortotrauma, em Mangabeira, e em Postos de Saúde da Família (PSF). “O Ortotrauma recebe pacientes perigosos, acusados de assaltos, homicídios.
É preciso que esse hospital tenha o mesmo tratamento do Hospital de Trauma, por exemplo, onde existe um posto policial”, ressaltou Tarcísio Campos.
O sindicalista ressalta que a Guarda Civil, presente nos PSFs e hospitais do município, não dá conta dessa demanda. “Eles são contratados para guardar o patrimônio público. Não tem poder polícia nem obrigação de intervir nesses casos”, afirmou.
A gerente de Suporte Hospitalar da Secretaria de Saúde de João Pessoa, Maria Dorinha Macedo, informou que a Prefeitura já solicitou ao governo do Estado a instalação de um posto policial no Ortotrauma, mas a proximidade da unidade de saúde com o 5º Batalhão da Polícia Militar impossibilitou a instalação do mesmo. “Nós também gostaríamos de ter leitos sob custódia, mas o hospital não tem perfil para isso”, afirmou. Dorinha reconhece as agressões em hospitais e Unidades de Pronto Atendimento, mas ressalta que a grande maioria das agressões é verbal.
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