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VIDA URBANA

"Não me coloco como vítima, até porque não sou inferior a ninguém"

Jornalista foi vítima de preconceito de colega de profissão após postar uma foto em uma rede social: "Depois da Lei Áurea, tudo é possível".

Publicado em 13/05/2015 às 15:00

Era o mês de dezembro. Após um ano inteiro de muito trabalho, Daniel, um jornalista, foi curtir as férias na praia de Pipa, no Rio Grande do Norte. Em dado momento, um de seus colegas, que estava com ele, tira uma foto sua, em frente à pousada em que estavam hospedados. Tendo gostado da foto, Daniel a posta imediatamente nas redes sociais.

Até aí, nada o distingue de qualquer outro cidadão. Tendo, enfim, o direito a curtir um breve período de descanso, ali estava ele, em uma praia próxima ao local onde vive, aproveitando alguns dias de sol. Nesse momento, no entanto, é surpreendido com um infeliz comentário na foto que fora postada. O comentário é de um colega de profissão, que, em poucas palavras, destilou seu preconceito em plena rede social: "Depois da Lei Áurea, tudo é possível".

***

"Acho que ele ficou incomodado ao ver que eu estava ali, aproveitando o que era meu de direito: as férias, por um ano de muito trabalho que tive", afirma Daniel, que, após o episódio, recebeu mensagens de pessoas de diversos lugares do país, dando-lhe apoio e repudiando o ato preconceituoso de que fora vítima.

Aquela, no entanto, não foi a primeira situação de racismo que viveu: desde criança, lembra-se de ter sido chamado de apelidos preconceituosos, como, por exemplo, "macaco". No meio da rua, também, a vida não era fácil: por diversas vezes, passara longos períodos de espera em filas, mesmo tendo chegado antes de quem era colocado em sua frente.

O jornalista, que após o episódio, pediu demissão da empresa em que trabalhava, este ano, colheu os frutos de um trabalho íntegro: agora, trabalhando como produtor na TV Record, foi um dos vencedores do "Prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo 2015", com a reportagem "O Mistério do Matador de Mulheres", contando a história de um serial killer de Goiás.

"Eu não me coloco como vítima. Não me deixo vitimizar. Não deixo também que o sentimento de inferioridade tome conta de mim, até porque eu não sou inferior a ninguém. Acho que é preciso, diante de um ato de racismo, erguer a cabeça, seguir em frente, e buscar justiça, porque isso é um crime", argumenta o jornalista.

Passar por situações de discriminação produz um sofrimento mental capaz de desencadear traumas. Mais que isso, o indivíduo fica com uma baixa auto-estima que pode fazê-lo entrar em um processo depressivo severo, levando-o, até mesmo, à morte. "É necessário um acompanhamento psicológico para que as pessoas se sintam pessoas. Porque a discriminação étnico-racial é tão severa que ela viola o indivíduo. Mata a pessoa, mesmo ela estando viva. Se não tiver ninguém ali do lado, se não tiver um mecanismo de defesa, a pessoa se destroi", afirma a psicóloga Socorro Pimentel. Dentre os mecanismos de defesa mais importantes, ela cita a criação de grupos e, também, as ações identitárias afirmativas quando postas em prática. "É somente através disso que nós podemos dizer que estamos nos autoafirmando", comenta.



A psicóloga Socorro Pimentel quase comprometeu o sonho de ser doutora por causa de racismo da banca examinadora. (Foto: Kleide Teixeira )

Socorro, como tantos outros negros, também já passou por inúmeras situações de discriminação. Das mais marcantes, ela se lembra de quando, há cerca de cinco anos, deixou seu sonho de lado, o de tornar-se doutora, após ter ficado sabendo, através de uma outra colega, que as professoras que faziam parte da banca para a qual estava submetendo seu projeto de Doutorado havia dito que ela tinha mais o perfil de uma dançarina ou vendedora - não o acadêmico. "Eu fui aluna do Mestrado da própria universidade. Mostrei que tinha capacidade, como qualquer outro, de estar ali. Mas essa situação acabou me marcando, criou em mim uma esquiva, uma fuga, que até hoje eu não consegui superar, porque não me sinto segura na instituição", comenta.

Agora, no entanto, promete: o sonho de fazer o Doutorado não irá mais demorar tanto para ser posto em prática. Em breve, irá se submeter, mais uma vez, às seleções. "É um processo doloroso você se assumir como uma pessoa negra, porque todo estereótipo que existe faz com que você se assuma como branca, como morena, porque você sofre menos. Quando você se assume negra, você vai para o confronto diário. Todos os dias você tem que provar que você é capaz, que você pode, que você tem direitos. A sua única diferença é a pigmentação da pele, mas essa pigmentação fecha portas, levanta muros. E nós temos que provar diariamente que nós não somos marginais. É essa, hoje, a minha bandeira. É essa a minha luta", finaliza.

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Jornal da Paraíba

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