VIDA URBANA
Negros analfabetos são maioria
Conforme números do IBGE, dos 757.064 habitantes do Estado que não sabem ler nem escrever, 501.489 são afrodescendentes.
Publicado em 04/01/2014 às 6:00 | Atualizado em 10/01/2024 às 16:11
Os negros ainda correspondem à maioria dos analfabetos da Paraíba. Do total de 757.064 habitantes do Estado que não sabem ler nem escrever, 501.489 são afrodescendentes. O percentual é de 66,24%. Preconceito e discriminação são apontadas por organizações sociais como as principais causas dessa realidade.
Os dados são do Censo Demográfico 2010, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o estudo, a Paraíba possui 3.476.427 moradores com mais de 5 anos.
Destes, 204.130 mil se declaram como pertencentes à cor preta, sendo que 60.781 não frequentaram a escola.
No momento da pesquisa, a equipe do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística identifica a população em quatro raças: branca, preta, amarela e indígena. No entanto, a secretária de Estado de Diversidade Humana, Gilberta Soares, explica que as pessoas que se autodeclaram como pardas também pertencem à raça negra. Segundo ela, esse grupo de indivíduos não assume a verdadeira raça por conta do preconceito. “São aquelas pessoas que dizem que são moreninhas”, detalha.
Pelos números do IBGE, a Paraíba possui 1.846.958 habitantes pardos. Deste total, 440.708 não sabem ler nem escrever. Se somada a quantidade de analfabetos que se autodeclaram como pretos e como pardos, a Paraíba alcança o total de 501.489 indivíduos. Além de negros, a Paraíba possui 9.056 amarelos, 241.957 brancos e 4.555 indígenas analfabetos. Sete pessoas não declararam.
O IBGE ainda mostrou que menos negros estão sendo alfabetizados na Paraíba. Em dez anos, a quantidade de pessoas dessa raça aumentou no Estado, mas a taxa de alfabetização entre elas caiu. Em 2000, a Paraíba tinha 128.503 habitantes dessa cor. Destes, 74.384 sabiam ler e escrever, o que representava 57,88% do total. Dez anos mais tarde, a população negra subiu para 143.349 indivíduos, sendo que 60.781 eram alfabetizados. O percentual foi de 42,40%.
Para a assistente social e mestranda em Ciências Jurídicas Terlúcia Silva, a situação é motivo de preocupação e reflete a ausência de políticas públicas para a área de educação. Ela é coordenadora da Bamidelê, uma Organização Não Governamental (ONG) que defende os direitos da população negra e explica que existem muitas iniciativas públicas para inserir a criança negra na escola, mas faltam incentivos para mantê-la no local.
“No Brasil, existem cerca de 14 milhões de analfabetos e, destes, 9 milhões são negros. É uma realidade de muitos anos e que não vem sendo alterada. Na Paraíba, a alfabetização caiu justamente numa década onde ocorreram avanços em outras áreas da vida do negro”, conta.
“A educação é a principal via de acesso para a mobilidade social do estudante negro. Se não há avanço nessa área, a situação fica preocupante”, acrescenta.
A pesquisadora explica que a população negra ainda é mais ausente das salas de aula porque é a etnia ainda mais pobre em relação às outras raças. “Desde criança, o aluno negro já enfrenta dificuldades para estudar. Seja pelo preconceito e discriminação que sofre na escola, seja pela necessidade de trabalhar para ajudar em casa, seja pelas condições de moradia, onde não há espaço para lazer ou diversão”, observa.
“Para agravar ainda mais a situação, o aluno encontra na escola uma educação padrão, que é aplicada de forma igual para todos os alunos, independente das deficiências educacionais e contexto socioeconômico deles. Tudo isso se torna uma série de dificuldades que elevam os índices de evasão escolar entre os negros”, afirma a pesquisadora Terlúcia Silva.
Para a coordenadora do Bamidelê, faltam políticas educacionais voltadas para beneficiar os negros.
“Por ser mais pobre, o aluno negro precisa trabalhar e não tem condições de se dedicar com exclusividade aos estudos.
Mesmo que também seja pobre, o branco não vai sofrer o preconceito que o negro sofre. A escola tem que ter a consciência de que é preciso ter um ensino diferenciado e combater o preconceito. Mas o que vemos é que muitos professores não investem nos alunos negros por acreditar que eles não terão futuro”, declara Terlúcia Silva.
ESTADO IMPLEMENTA AÇÕES DE COMBATE À DISCRIMINAÇÃO E PRECONCEITO
Já a gerente de ensino Infantil e Fundamental da Secretaria do Estado da Educação (SEE), Aparecida Uchoa, garante que as ações de combate à discriminação e preconceito estão sendo implantadas. Ela explica que as crianças já começam a estudar as questões ligadas à etnia, religião, homofobia e prevenção da violência já nos anos iniciais da alfabetização.
“Não temos registrado alto índice de evasão escolar entre as crianças. Esse problema é mais comum entre os alunos dos programas de alfabetização e jovens e adultos, já por conta mesmo do preconceito e questões financeiras”, afirma.
“Com as crianças, não há esse problema, porque elas trabalham essa questão em sala de aula, desde pequenas. Temas transversais, como etnia, religião, preconceito e cultura, são incluídos nos currículos escolares já no 1º ano do ensino fundamental (antiga alfabetização)”, assegura.
Apesar das ações já terem sido implantadas, a gerente observa que os resultados ainda irão demorar algum tempo para surgirem. “Na educação, nada ocorre para hoje. Tudo leva, no mínimo, seis anos. O resultado das ações que estamos adotando hoje só será visto quando essa criança estiver saindo do ensino fundamental”, observa.
O estudante Francisco Lindolfo da Silva Neto é exemplo de jovem que superou as dificuldades e conseguiu ser alfabetizado no período certo. Aos cinco anos, ele já sabia ler e escrever. Hoje, com 16 anos, está ingressando no Ensino Médio e já pensa no curso que quer fazer na universidade.
“Estou indeciso entre área administrativa ou tecnológica. Desde pequeno, minha mãe, que também é negra, me incentivou a estudar”, revela.
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