VIDA URBANA
Reduzir idade penal resolve violência praticada por adolescentes?
Representantes da Justiça e autoridades religiosas revelam motivos para se opor ou ser favorável a mudança na legislação do país
Publicado em 05/04/2015 às 13:00 | Atualizado em 16/02/2024 às 10:58
Com 600 adolescentes cumprindo medida socioeducativa, a Paraíba não poderia ficar de fora da discussão acerca da polêmica sobre a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Na semana passada, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, em Brasília, aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/93 por 42 votos a favor e 17 contra. Agora será criada uma comissão especial que terá 40 dias para dar um parecer. Depois de aprovada na Câmara, a PEC segue para o Senado. Enquanto isso, as discussões continuam.
Na Paraíba, uma das pessoas que se posicionam de forma contrária à redução da maioridade penal é a juíza Antonieta Lúcia Maroja Arcoverde Nóbrega, titular da 2ª Vara da Infância e Juventude de João Pessoa. Pelas mãos dela passam os processos de adolescentes que cometeram atos infracionais, como roubos e homicídios. Embora se perceba o aumento da criminalidade envolvendo adolescentes, a juíza defende a tese de que reduzir a maioridade penal no Brasil é um retrocesso.
Segundo Antonieta, a sociedade tem a ilusão de que esses jovens não são punidos, quando a verdade é outra. “Eles são punidos sim, e com rigor. Eu diria, inclusive, que a medida socioeducativa para o adolescente equivale à prisão para o adulto”, pontua. Além disso, a juíza destaca que há uma cláusula pétrea (que não pode ser mudada) na Constituição Federal que impede a redução da maioridade penal no Brasil. “Precisamos lembrar que países que reduziram a idade penal tempos atrás agora lutam para aumentar”, frisa.
Na avaliação da juíza, a mudança não vai reduzir a criminalidade, como acreditam os defensores da redução da idade penal. “O que precisamos é investir em políticas públicas. Crianças e adolescentes precisam de educação, de saúde, de assistência social mais justa e igualitária. Não é reduzindo a maioridade penal que teremos menos violência”, declara Antonieta.
Há falhas também nas políticas de ressocialização, segundo a juíza. “Infelizmente ainda não temos ações efetivas voltadas para os adolescentes que cometeram atos infracionais, embora eu perceba uma evolução nesse sentido”, afirma. “Uma vez privados de liberdade, os adolescentes são obrigados a frequentar a escola, que funciona dentro dos centros, e fazem cursos de profissionalização. Nada disso acontece no sistema carcerário do país, que não recupera em nada”, destaca.
Ainda de acordo com a juíza, a droga é o grande problema da sociedade e responsável pelo envolvimento, cada vez maior, dos adolescentes com a criminalidade. “Volto a afirmar que sou contra a redução da maioridade penal, mas acho que deveria ter uma mudança nos nomes para que a sociedade entenda que há punição”, afirma. Antonieta se refere às palavras ato infracional e medida socioeducativa, que equivalem a crime e pena, no caso dos adultos. “Esses nomes causam confusão, mas na verdade são semelhantes”, destaca.
Promotor defende criação de políticas públicas
A redução da maioridade penal é ineficaz para diminuir os índices de criminalidade, segundo o promotor da Infância e Juventude de João Pessoa Alley Escorel. “Sou totalmente contrário porque não há nenhuma certeza de que haverá a redução dos crimes com essa mudança”, destaca. Segundo o promotor, vários estudos comprovaram que apenas 1% dos homicídios são praticados por adolescentes. Ele critica duramente a falta de políticas de ressocialização e a precariedade na oferta de garantias constitucionais como saúde, educação, segurança e lazer.
Para ele, é preciso investir nesses setores para melhorar a qualidade de vida de crianças e adolescentes que vivem em condições precárias para que seja dada uma perspectiva positiva para eles. Sem isso, segundo o promotor, o adolescente fica mais vulnerável a se render à criminalidade. “Não temos um serviço de saúde de qualidade, nem educação. Inúmeras famílias não são assistidas como deveriam e se tornam invisíveis aos 'olhos' de todos”, declara. Segundo o promotor, os parlamentares tentam fazer o caminho mais fácil, que é a mudança da lei, quando o mais sensato seria investir nos serviços básicos.
Ele também reprova o pensamento de que adolescente não recebe punição. “Há uma falsa ideia de que não acontece nada com eles, claro que acontece. Eles não são processados, mas recebem a punição pelo ato que cometeram”, declara.
De acordo com Escorel, não se pode admitir que um adolescente, considerado pessoa em desenvolvimento, venha a cumprir uma pena como se fosse adulto. Em alguns casos, segundo o promotor, o jovem acaba cumprindo uma pena maior que o adulto, porque para este tem a progressão de pena.
Advogados querem maior rigor no ECA
Alguns criminalistas, embora sejam contrários à ideia da redução da maioridade penal, defendem a atualização do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para que os atos infracionais dos adolescentes sejam punidos com maior rigor. É assim que pensa o advogado criminalista Sheyner Asfora. “O máximo de tempo que um adolescente pode ficar privado de liberdade são três anos. Acho que o ECA poderia ficar mais rígido, de repente aumentando esse tempo para seis anos, por exemplo”, declara.
O advogado afirma que o mais importante é investir na prevenção, que envolve a capacitação de policiais, aquisição de equipamentos tecnológicos e investigação e remunerar melhor os envolvidos na Segurança Pública. “O que vejo é que os parlamentares estão procurando o caminho mais fácil e deixando de lado as políticas públicas”, frisa. “Esses jovens irão para presídios comuns, caso a mudança seja efetivada, e isso deve ser visto com preocupação”, pontua Asfora.
Ainda de acordo com o advogado, o que estimula a criminalidade é a sensação de impunidade. “Quem vai cometer um crime não sai de casa com o Código Penal debaixo do braço. Tanto o adulto quanto o adolescente roubam, matam e traficam porque sabem que a polícia não está aparelhada. Não se tem um pessoal treinado, o que reforça a sensação de impunidade”, destaca. “Não acredito que um adolescente vai deixar de cometer um ato infracional com a mudança na lei, isso não diminui a criminalidade”, afirma.
O também criminalista Abraão Beltrão explica que a PEC é inconstitucional, por ferir a cláusula pétrea da Constituição.
“Há uma proibição clara. Essa cláusula é imutável, só pode ser alterada se houver uma nova Constituição”, frisa. “Por mais que a população clame pela redução da maioridade penal, uma emenda não pode alterar o que determina a Constituição. Os deputados que se mostram contrários estão corretos. É inconstitucional”, declara.
Beltrão afirma que não é só uma questão legal. Segundo ele, em países onde houve a redução da maioridade penal, os índices de criminalidade não diminuíram.
“O que devemos lutar é pela melhoria dos serviços ao cidadão. Quando o Estado fica ausente, as crianças e adolescentes ouvem a voz do crime organizado, e acabam se envolvendo na criminalidade. É preciso cuidar deles e também dos familiares, dando assistência e trabalho aos pais, para que estes possam tomar conta de seus filhos”, destaca. (Leia a matéria completa na edição deste domingo (5) do JORNAL DAPARAÍBA)
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