CULTURA
Contadora de histórias da PB dá dicas e ressalta papel dos livros em crianças
Nara Santos foi personagem do Paraíba Comunidade, neste domingo (23).
Publicado em 23/05/2021 às 6:40 | Atualizado em 24/05/2021 às 8:12
Contar histórias é um hábito antigo, mas que até hoje desperta sensações. Através dela, é possível transmitir na forma de palavras, imagens e sentimentos capazes de moldar e mudar mundo. O papel transformador da literatura se faz presente na voz e na mente de Nara Santos, conhecida como ‘Nara, a Narradora’. Contadora de histórias, compositora e professora de João Pessoa, em entrevista ao Paraíba Comunidade deste domingo (23), ela falou sobre sua atuação no mundo literário e a importância de estimular este encontro em crianças.
"A leitura abre portas para a leitura do mundo. Ela amplia a leitura do mundo, como dizia Paulo Freire", disse ao Jornal da Paraíba.
Vinda de uma família de artistas, Nara Santos conta que teve o privilégio do contato com as palavras desde o berço. Em homenagem à sua mãe, Dora Limeira, Nara gosta de ser chamada de ‘Nara, a Narradora’.
“Eu sou uma consumidora voraz de histórias porque eu escuto histórias desde o berço praticamente. Minha mãe contava, minha avó e a minha casa era muito musical. Então todas essas influências foram me constituindo, me formando.”
Apesar das suas raízes neste mundo virem desde a infância, ela só foi começar a contar histórias em 2013. Nesta época, já fazia um pouco de teatro, mas nada voltado para crianças. Também tinha um grupo de experimentação com poesia, um trabalho que reverberou em João Pessoa, com o Grupo Teatrália.
Quando foi convidada por uma amiga escritora, Marilía Arnaud, para contar as histórias de seu livro durante um lançamento, não recusou. “E depois disso eu não parei mais. Comecei a estudar outras histórias, montar outras histórias e estudar também a contação de histórias porque é diferente do teatro”, relata.
Assim, montou projetos no Fundo Municipal de Cultura e também projetos voluntários e individuais, sem financiamento. Foi para as ruas e para as praças, mostrar o poder e a magia dos livros. O que a encantou no trabalho com crianças foi justamente o encontro de gerações:
“As crianças têm muito a ensinar a gente. Muito mais talvez que a gente para elas. Então é um encontro que eu prezo muito. É muito precioso para mim. (...) São verdadeiras fontes de esperança".
Transformação através dos livros
Nara ressalta que a leitura do mundo precede a leitura da palavra, mas a leitura da palavra amplia a interpretação de tudo que está ao redor. Por isso, incentivar o encontro de crianças e livros, de forma prazerosa, é essencial para um bom desenvolvimento infantil - principalmente de percepção do mundo e cidadania.
Ela explica que quanto mais cedo, melhor: "Se a gente pensar na escola por exemplo, a gente só vai aprender as outras disciplinas como história, matemática, geografia, ciências, se a gente compreender qual a linguagem que está sendo falada ali e a gente só desenvolve a linguagem com a leitura. Isso é uma coisa construída, tijolo por tijolo, dentro da nossa cabeça".
Não só a inserção de livros físicos é importante na infância, mas a oralidade também deve ser praticada. A contação de histórias ajuda a elaborar e amadurecer sensações e sentimentos, para que quando a criança entre em contato com a palavra escrita, saiba decodificá-la e dar sentido. A prática oral é capaz de despertar a imaginação e senso crítico, duas coisas importantes no processo de alfabetização.
“A capacidade da criança pensar e ir sobrepondo as imagens e as ideias. Construindo redes de conexão dentro da própria cabeça. (...) No processo da alfabetização, não basta que a criança saiba decodificar as letras. Juntar as letrinhas e formar uma palavra. Sim, isso é a parte mecânica, mas ela tem quer atribuir sentido às palavras. Atribuir sentido às frases que ela tá lendo. Imaginar o que é aquilo que ela tá lendo", disse.
Apesar de sua importância, a professora e compositora vê uma deficiência sistemática no estímulo à leitura. É preciso que as escolas revejam algumas práticas e os professores precisam de mais incentivo. O principal problema é a abordagem, que acontece de forma ineficiente. Muitas vezes, a biblioteca é tratada como um depósito de livros, um lugar de castigo ou que as crianças não têm acesso.
Não só isto, a prática da leitura deve também ser estimulada em casa, associada à criação de uma memória afetiva; criando momentos bons entre pais e responsáveis e as crianças, onde livro esteja presente.
Inserir esses momentos de contato com as palavras e a oralidade, seja no lazer, seja na hora de ir dormir, é essencial para estimular a leitura na infância e a desenvolver como um hábito, não uma obrigação.
“Tudo isso tem que ser de forma prazerosa. A hora da história não pode ser obrigatória, não pode ser um castigo, não pode ser só quando a criança tá doente e não pode se levantar. A memória da construção da prática da leitura tem que ser associada ao aconchego, ao afeto. Então, se antes dormir tá todo mundo no quarto e a mãe apaga a luz, deixa a penumbra e conta uma história, isso fica sedimentado na cabeça da criança".
Adaptação durante a pandemia
Durante o isolamento social, Nara Santos tem explorado a contação de história através de vídeos - algo que nunca tinha tentado antes e era muito resistente. Segundo ela, achava que tinha que ter uma grande produção, com luz, um bom som e cenário. Apesar disso, quando conseguiu vencer essa barreira, percebeu que adaptar sua prática de forma lúdica para as redes iria ajudar tanto ela, quanto seu público.
"E eu sempre dizia ‘Não. Eu só vou gravar quando eu tiver tudo isso que eu imaginei que eu tenha que ter'. Aí veio a pandemia e eu pensei ‘E agora?’. Então, a gente teve que ir para a tecnologia como uma ferramenta que veio tanto ajudar a gente a exercer nosso ofício como também ajudar as pessoas a continuar usufruindo dessa história que a gente estava contando".
Seus vídeos são publicados nas suas redes sociais e também da sua banda, Meu Quintal - que desenvolve um trabalho de música autoral para crianças, tendo gravado três CDs e um single.
Na mesma época que começou a contar a história, Nara começou a compor. Suas músicas são o casamento perfeito entre melodia e literatura. Durante sua contação de histórias, ela também canta. Algumas de suas composições são versões cantadas de contos - muitas delas inspiradas em clássicos como 'Dom Quixote' e o cordel 'Juvenal e o Dragão'.
“Elas são voltadas para crianças, mas eu costumo dizer crianças de zero a 99 anos e também muitas delas foram feitas e são feitas a partir da literatura”.
Nara não têm preferências de histórias, ela gosta de todas e seu favoritismo muda com o tempo. Hoje, ela está se dedicando a contar uma fábula de Esopo, 'A Galinha dos Ovos de Ouro'. No Paraíba Comunidade, contou que está lendo ‘A Batalha Pelas Folhas Sagradas’ do paraibano Fábio Rocha.
Na pandemia, ela percebe uma maior facilidade de dispersão nas crianças, mas o trabalho vai se moldando. Por exemplo, ela percebe que quanto menor a sala, mais ela fica aconchegante e mais se interage. Quanto maior a sala, maior a facilidade de dispersão.
“Tem muiti dificuldade porque no trabalho online a gente concorre com as coisas que estão acontecendo na casa de cada pessoa. É como se a gente tivesse em cada casa e cada casa estivesse também dentro da roda de leitura. É um desafio imenso, mas com um certo esforço a gente consegue algum resultado.”
Apesar das dificuldades, a educadora tem certeza que, mesmo em um período de instabilidade, a literatura e a contação de história tem a capacidade de nos conectar e estimular toda uma geração a continuar crescendo.
“A melhor parte é o encontro, é o diálogo. É a possibilidade de ver que quando você pronuncia uma palavra ela abre uma janelinha dentro do coração de alguém. Uma janela boa dentro do coração de alguém. Algo que estava adormecido, acorda!”, disse no Paraíba Comunidade.
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