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CULTURA

O livro inédito de Ariano

Texto final tem cerca de 300 páginas e já está em posse da editora José Olympio.

Publicado em 03/08/2014 às 7:00 | Atualizado em 04/03/2024 às 17:43

Ariano Suassuna amava aqueles que mentiam por amor à arte.

Que uma história fosse mentirosa, sendo ela melhor que a original. Nos últimos anos, gostava de confundir a imprensa com a lenda do livro que escrevia, O Jumento Sedutor. A obra, que iria interromper um hiato de décadas, ganhava ares típicos do causo de Chicó. Seria um épico ambicioso, de sete volumes, derivado de um pacto com Deus. Em 2011, chegou a notícia de que o livro seria publicado. Ariano logo desmentiu. Disse que desconfiava que nunca iria acabar.

Tanto estardalhaço fez a editora José Olympio proibi-lo de falar sobre o livro. Ninguém mais soube de nada, só soube que foi assim: “Ele concluiu o livro pouco antes de morrer”, assevera o poeta, ensaísta e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Carlos Newton Júnior. Junto com Alexandre Nóbrega, genro de Ariano, Newton transcrevia as cópias feitas à mão. “O problema é que o livro, para ser editorado, demanda certo tempo, sobretudo para a inserção das ilustrações, de autoria do próprio Ariano.”

O texto final, que tem cerca de 300 páginas e já está em posse da José Olympio, teve inúmeras versões e resultou em uma narrativa que o escritor Raimundo Carrero, outro dos poucos que tiveram o privilégio de já ler o original, ainda não sabe definir. “O Jumento Sedutor é um grande e extraordinário livro, onde ele reuniu prosa de ficção, cantoria, poesia, repente e teatro”.

Carrero, que escreveu o prefácio, foi procurado há pouco tempo por Ariano para ler o romance, cujo título faz referência a O Asno de Ouro, clássico de Apuleio (125-170) escrito no século 2.

Era a retribuição a uma amizade que começou em 1967, justamente quando o jovem Carrero procurava o mestre para que ele lesse a sua primeira novela, Gigante Mundo em Quatro Paredes, escrita pelo discípulo na adolescência. “O livro não foi aprovado, mas iniciamos uma grande amizade literária. Ele se tornou o meu pai, me orientando, me instruindo e incentivando a minha carreira literária”, conta Carrero. “Em seguida, atendendo a uma solicitação dele, fui trabalhar com ele na UFPE. Tínhamos longas conversas dominicais, lendo e estudando grandes autores, como Dostoiévski, Tolstói, Kazankzákis e até James Joyce.”

PARA INICIADOS
A relação filial que Ariano Suassuna mantinha com Carrero era a mesma que mantinha com Newton, que sentiu a perda de um pai, semana passada. Uma relação que, em menor escala, todos os leitores d’O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1971) sentiram. É para eles que O Jumento Sedutor está escrito. “Ariano tinha plena consciência de que estava escrevendo um livro para leitores já familiarizados com a sua obra”, opina Newton. “Eu escrevi o texto da orelha do volume. As minhas impressões, enquanto leitor e admirador da obra de Ariano, são as melhores possíveis. Mas o próprio Ariano afirmou que o livro requer, como introdução, a leitura do Romance d’A Pedra do Reino.”

O universo imagético de Ariano também está lá. Era uma tradição desde que Brennand recusou-se a ilustrar um de seus livros para que o amigo enfim revelasse o seu traço. Além das ilustrações, houve todo um esmero do escritor no aspecto tipográfico, como aponta Carlos Newton Júnior: “A proposta dele exigia tipologias diferentes, entre as quais a tipologia ‘armorial’ .

Isto requer uma revisão cuidadosa da editoração, para que se respeite o desejo do autor.”

Um desejo que, como Carrero define no prefácio, resultou em uma ‘Revelação’ (com inicial maiúscula’) dos “caminhos que um povo traça para formar a sua grandiosidade e sua força.” Se Tolstói escreveu Guerra e Paz com as duas mãos, Carrero compara, parafraseando Percy Lubock, Ariano escreveu O Jumento Sedutor com “as duas mãos, o coração, a mente, os nervos e o sangue.”

Para quem achava que Ariano nutria algum tipo de ressentimento em relação à disparidade entre o apelo popular de seu teatro e o de sua literatura, tanto Carrero quanto Newton têm impressões ligeiramente similares: “Nunca ouvi Ariano reclamar de nada. E ele era muito bem lido, basta lembrar que A Pedra do Reino tem mais dez edições, O Auto da Compadecida foi lido e visto por milhares de pessoas em todo o mundo”, diz Carrero.

Newton capitula, ainda que julgue que, sim, Ariano escrevia para poucos: “Jamais Ariano externou qualquer tipo de ressentimento dessa natureza. Pelo contrário, ele sabia que escrevia para poucos, e falou naturalmente dos seus poucos leitores inúmeras vezes. No Brasil, temos, hoje, cerca de duzentos milhões de pessoas. Se você for ver a tiragem dos livros dos nossos grandes escritores, daqueles escritores que realmente representam êxitos literários – um Euclydes da Cunha ou um João Guimarães Rosa – verá que eles também têm poucos leitores, pouquíssimos, eu diria melhor, a cada geração, bem entendido.

Mas o fato é que as gerações se sucedem, e daqui a 100, 200 anos, se ainda existir um país chamado Brasil, Euclydes estará sendo lido, bem como Guimarães Rosa e Ariano, e esperemos que por mais leitores, proporcionalmente, do que os da nossa geração, se as coisas melhorarem do ponto de vista da educação.”

SEM SUCESSORES
Em se tratando de futuro, os dois também concordam. Ariano não deixa sucessores na literatura. “Ariano é único e definitivo”, determina Carrero. “Não acredito em sucessão” afirma Newton, ele próprio um discípulo de Ariano prefere pensar nestes termos quando o assunto é a linhagem que o paraibano-pernambucano constrói nas prateleiras. “Talvez a palavra ‘sucessor’, aqui, não esteja bem colocada. A meu ver, nenhum grande criador, em nenhum campo da arte, deixa sucessor, no sentido de alguém que percorra o mesmo caminho trilhado por ele e leve à frente a sua poética. O que distingue o grande criador, em arte, é a sua originalidade, a sua poética personalíssima. Creio que poderíamos pensar em termos de “discípulo”, de alguém que, a partir da direção apontada por Ariano, siga o seu próprio caminho.”

E a influência de Ariano, para Newton, permanece. “Um grande artista não surge a todo instante, muito menos um artista genial, como Ariano. São exceções à regra, sem sombra de dúvida.” Na Academia Brasileira de Letras (ABL), a vaga deixada pelo último ocupante da cadeira 32, que tem como patrono Manuel José de Araújo Porto-Alegre (1806-1879) e como fundador Carlos de Laet (1847-1927) poderá ficar em família: Carrero é um dos nomes cotados. “Encaro com grande satisfação, embora a Academia tenha eleitores bem específicos”, reflete Carrero. “Vou ver como posso fazer isso, objetivamente.”

O possível candidato à vaga lembra que Ariano deixa também muitos poemas inéditos, mas não outra obra completa e finalizada como O Jumento Sedutor. Um material que fica em posse da família, cuja responsabilidade agora é administrar um legado vasto. “Na condição de bom conhecedor da obra, bem como dos muitos trabalhos inéditos que ele deixou, estarei sempre à disposição da família, e de possíveis editores que com a família venham a trabalhar, para qualquer tipo de ajuda”, avisa Newton. “A obra de Ariano influenciará, tenho certeza, muitas gerações.”

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Jornal da Paraíba

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