CULTURA
'O Mundo de Aisha' mostra uma 'revolução silenciosa' das mulheres do Iêmen
Obra apresenta três histórias com arte e roteiro do italiano Ugo Bertotti e fotos de Agnes Montanari.
Publicado em 13/04/2015 às 7:00 | Atualizado em 15/02/2024 às 12:55
Niqab ou nicabe é o véu preto que envolve o corpo das mulheres dos pés a cabeça, revelando apenas os seus olhos. A vestimenta é frequente nos países da Península Arábica como o Iêmen, mas também pode ser encontrado em outros países de tradição religiosa muçulmana. Mesmo entre o obrigatório e o aconselhável, o hábito é respeitado por séculos, sendo o principal modelo de guarda-roupa para 95% das mulheres iemenitas.
Foi essa indumentária que despertou a curiosidade da fotojornalista italiana Agnes Montanari, cujas entrevistas e relatos de viagem resultaram no álbum O Mundo de Aisha - A Revolução Silenciosa das Mulheres no Iêmen (Nemo, 144 páginas, R$ 39,90), adaptada através do roteiro e traço do também italiano Ugo Bertotti.
No posfácio, Montanari conta que descobriu o Iêmen acompanhando o marido, que estava em missão para o Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Até ali, ela só sabia o que a maioria dos ocidentais conhecem sobre o país árabe: a Al Qaeda e seu fundador, Osama Bin Laden, um dos menores PIB do mundo, e que, como o celular no Ocidente, as armas fazem parte do cotidiano, principalmente as AK-47 (duas por habitante, incluindo crianças e recém-nascidos).
É neste contexto que Bertotti seleciona e apresenta três histórias em O Mundo de Aisha. Em determinado momento, ele descreve: “Nas ruas, as mulheres são como manchas negras, que se movem flutuando. De vez em quando um rápido murmúrio, um preço que se pergunta, depois se afastam deslizando... A partir de certa idade seus corpos se preparam para desaparecer. E sob aqueles véus negros parece não haver mais mulheres de carne e osso. Parecem pássaros negros, inamistosos, inabordáveis”.
Em 'Sabiha', o primeiro capítulo, testemunhamos a violência doméstica quando a mulher do título, que se casou nas portas da adolescência, situação corriqueira no país, é baleada pelo próprio marido por se debruçar na janela secretamente pela manhã, sem o uso do niqab.
Já o segundo tomo, 'Hammeda', mostra uma empreendedora de vários restaurantes e hotéis de 65 anos que lutou para criar sozinha os filhos depois que o marido morreu, razão de ser duramente criticada pela sociedade. Nos anos 1960, ela começou o negócio alimentando os soldados durante a guerra civil.
A terceira, a que tem maior número de páginas, fala de Aisha e de outras iemenitas que a cercam no seu dia a dia. O que mais impressionou a fotojornalista – que também é personagem nas histórias – nessas mulheres era a autoanálise que elas possuem das suas vidas, desejando que a próxima geração não passe pelos mesmos obstáculos.
Hibridismo
Através da sua temática, fica impossível não se lembrar de Persépolis, álbum autobiográfico de Majane Satrapi sobre a revolução que colocou o Irã sob o comando do opressor regime xiita.
O Mundo de Aisha ainda assemelha com outra obra, a francesa O Fotógrafo, que conta a jornada de Didier Lefèvre para o Afeganistão acompanhando o Médicos Sem Fronteiras. Ilustrada e adaptada por Emmanuel Guibert (de A Guerra de Alan) com diagramação de Frédéric Lemercier juntando quadrinhos com registros fotográficos do protagonista. A forma híbrida de narrativa pode ser vista ao longo do álbum, mas também em 'cliques' no final da edição.
O que começou com um olhar estrangeiro vislumbrando as 'manchas negras' e anônimas nas ruas Iêmen, terminou com o mais profundo respeito por uma revolução silenciosa: “O véu não existia mais para mim. Embora continuasse a cobrir os seus rostos, tornara-se transparente. Eu sabia que por trás dele havia uma mulher feita de carne, inteligência e emoções”, relatou Agnes Montanari.
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