SILVIO OSIAS
Com posse de Gilberto Gil, o Tropicalismo, 55 anos depois, é recebido pela Academia Brasileira de Letras
Publicado em 11/04/2022 às 11:18 | Atualizado em 11/04/2022 às 13:15
Em 1968, na capa do seu primeiro álbum tropicalista, Gilberto Gil aparecia vestindo um fardão. Era uma ironia, uma crítica à Academia Brasileira de Letras. Pertencer à Academia, ser um imortal, essas coisas não passavam pela cabeça dos que, àquela altura da vida e da juventude, estavam nas trincheiras do Tropicalismo.
O álbum, conhecido como o Disco do Fardão, trazia Gil sendo acompanhado pelos Mutantes, com quem já dividira o palco do festival de MPB com Domingo no Parque, a canção que, em 1967, lhe dera dimensão nacional. O LP, em síntese, se tomarmos como exemplo a regravação de Procissão, fundia os ritmos brasileiros às guitarras dos Beatles.
Quiseram o destino e o passar do tempo que, 55 anos depois e às vésperas de completar 80, Gilberto Gil vestisse, não o fardão da capa do disco, mas o verdadeiro fardão da Academia Brasileira de Letras, passando a ocupar a cadeira que, até dois anos atrás, era ocupada pelo notável jornalista Murilo Melo Filho, que tive a alegria de conhecer e de quem ouvi grandes histórias de sua longeva trajetória profissional.
Em seu discurso de posse, Gil falou sobre cada um dos que ocuparam a cadeira, que teve como patrono o escritor Joaquim Manuel de Macedo, a quem facilmente identificamos como autor do romance A Moreninha. Ao se referir a Aurélio de Lyra Tavares, paraibano de João Pessoa, Gil não omitiu o desconforto que sentia, na condição de preso e exilado pela ditadura, ao mencionar o nome do general, um dos integrantes da junta militar que governou o Brasil durante breve período do ano de 1969. Mas o fez com a elegância e o espírito conciliador que sempre estão ao seu lado.
O discurso de Gil, além do retrato muito peculiar que tirou dos ocupantes da cadeira de número 20 da Academia Brasileira de Letras, conteve um autorretrato. Os caminhos do homem e do artista, a produção artística sobrepondo-se a tudo, mas também o ingresso no mundo da política. O protesto firme contra os tempos sombrios em que vivemos e as grandes interrogações sobre o futuro do Brasil.
A chegada de Gil à ABL é um instante importantíssimo da cultura brasileira. Por lá já passou Nelson Pereira dos Santos, grande homem do cinema, e lá está o cineasta Cacá Diegues. A atriz Fernanda Montenegro acabou de chegar para se juntar a Geraldo Carneiro e Antônio Cícero, que conhecemos escrevendo letras de música popular.
A ideia de que a Academia Brasileira de Letras é só dos escritores de livros e dos poetas no sentido ortodoxo da palavra está mudando. Gil leva para a entidade uma produção riquíssima, que dialoga diretamente com o povo e projeta o Brasil internacionalmente.
Gilberto Gil é um grande brasileiro. É uma das grandes belezas do Brasil. É um músico popular extraordinariamente talentoso. É um poeta - sim, é um poeta! - excepcional. E é um homem raro, generoso, de gestos muito sensíveis. As palavras serão sempre insuficientes para descrevê-lo e para traduzir a emoção de vê-lo ingressar na ABL.
Talvez Antonio Carlos Secchin, que fez a saudação a Gil em belo discurso, tenha conseguido. E foi Secchin que levou música à cerimônia, quebrando o tom solene que ela tem. O acadêmico cometeu naquele ambiente uma transgressão digna do Tropicalismo ao sonorizar o seu discurso com trechos de Lunik 9, Gilberto Misterioso (de Caetano sobre versos de Sousândrade)) e Flora, de cujos versos fez minuciosa análise.
Gilberto Gil, meu amigo, meu herói, você levará sabedoria e luz à Academia Brasileira de Letras.
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As fotos da posse são reproduções do You Tube e das redes sociais.
Fecho com as músicas executadas durante a cerimônia.
Lunik 9, do álbum Louvação, de 1967.
Gilberto Misterioso, do álbum Araçá Azul, de 1972.
Flora, do álbum Luar, de 1981.
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