CULTURA
Sonhos de Moebius
Três décadas após seu lançamento original, álbum ' O Mundo de Edena' do francês Moebius chega pela primeira vez ao Brasil.
Publicado em 02/07/2013 às 6:00 | Atualizado em 14/04/2023 às 14:04
A narrativa do francês Moebius (1938-2012), pseudônimo de Jean Giraud, é articulada de acordo com a lógica dos sonhos. Uma obra aberta, onde o leitor preenche as lacunas entre os quadrinhos e as próprias imagens com a sua interpretação e bagagem cultural.
Nesta perspectiva se passa o universo da série O Mundo de Edena, cujo volume inaugural (de seis), intitulado Na Estrela (Editora Nemo, 64 páginas, 24 x 32 cm, R$ 49,00), está sendo lançado pela primeira vez no Brasil três décadas após seu lançamento original.
O álbum acompanha a trajetória do mecânico Steal e do piloto Atan, que buscam combustível para sua espaçonave em um canto inóspito da galáxia. Eles encontram uma espécie de base espacial em um asteróide na órbita de um planeta, mas ele está misteriosamente desabitado.
Instável, a base desaba no desconhecido planeta desértico. Com a nave avariada na queda, a dupla segue uma estranha luz no horizonte com um calhambeque fabricado no longínquo ano terrestre de 1938. Chegando ao destino, Steal e Atan encontram uma pirâmide onde vários alienígenas que tiveram a mesma sorte deles veneram e esperam um sinal para ingressar no paradisíaco mundo de Edena.
A concepção da série partiu de uma encomenda para um portfólio da marca de automóveis francesa Citroën, em 1983, em que queria fugir dos tradicionais brindes de fim de ano com fotos de paisagens.
“No começo fiquei hesitante”, confessou Moebius no posfácio do primeiro volume. “Convenci-me de que havia ali uma oportunidade de criar alguma coisa divertida e diferente, especialmente com a tração dianteira, o carro que se vê na história e que sempre me fascinou.
Ele é um baita ‘mito’ em si mesmo... E depois, tinha também a aposta, quase um desafio: como realizar uma história que exprima um ela, que não seja um sermão, mas que transmita energia”.
O quadrinista francês confessou que o tema e o desenrolar da série vieram naturalmente, apontando a ideia que os carros são como um corpo robótico, servindo de invólucros para as pessoas. “Tinha vontade de fazer uma história que me pusesse em contato com o mundo dos robôs, dos mecânicos, das pessoas que mexem com máquinas”, explicou.
UM DIÁRIO ÍNTIMO
Outro destaque de O Mundo de Edena em relação à produção que imortalizou o artista está no seu traço. Geralmente detalhista ao extremo, Moebius optou por uma ‘linha clara’, estilo que consagrou nomes como o belga Hergé (1907-1983) com a sua obra máxima, As Aventuras de Tintim.
“Forçando-me a desenhar Na Estrela em um estilo o mais despojado e puro possível, não podia mais me refugiar em uma luxúria de detalhes”, analisou. “Esse método me permitiu trabalhar muito rápido (cheguei a trabalhar quatro páginas em um só dia) e me obrigou a aperfeiçoar meu traço”.
Servindo como introdução, o volume apresenta a história curta Consertos, onde Stel repara uma máquina chamada ‘Mestre dos caminhos’ – avariada por falta de manutenção psíquica – e descobre que a falha reside no passado, quando um garoto tem seu submarino de brinquedo quebrado.
“O submarino aqui é um símbolo da exploração do inconsciente”.
Como uma metáfora da terapia analítica, a HQ também é um diário íntimo do autor, que tinha o mesmo brinquedo avariado, dado pelos seus humildes pais quando criança. O pequeno Jean Giraud terminou perdendo seu submarino quando foi brincar em um lago com os amigos.
De acordo com a Editora Nemo, o segundo volume da série, Os Jardins de Edena, será lançado ainda este ano.
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