ECONOMIA
Governo pode retirar minha isenção de IPI para veículo PCD do dia para a noite?
Advogado fala sobre as regras que garantem o benefício.
Publicado em 13/03/2021 às 7:38
No dia 1º de março, encontraram-se numa concessionária de veículos dois velhos amigos. As máscaras faciais escondiam suas expressões, mas o olhar revelava seus diametralmente opostos estados de ânimo.
Para o primeiro deles, advogado, esse era um dia muito antecipado. Depois de meses de espera e de extenuante burocracia, chegara seu novo SUV, adquirido com isenção de IPI, em razão de sua cegueira monocular.
Notando o olhar reticente, quase perdido do amigo de infância, indagou-lhe o que viera fazer ali.
Respondeu: -Não sei ao certo. Depois de um ano amealhando economias, tinha acabado de juntar o suficiente para comprar o carro dos meus sonhos e estava prestes a abrir meu requerimento de isenção, mas soube pelos jornais que o benefício de IPI com a qual eu estava contando foi revogado hoje. Podem retirar meu benefício fiscal de IPI do dia para a noite?
O advogado retrucou: - A Constituição Brasileira tratou com muito cuidado dos tributos e impediu os governantes de momento de aumentarem tributos do dia para a noite. Foram previstas algumas exceções, em relação a impostos que não têm por principal fim arrecadar, mas, na verdade, atingir outros objetivos, como corrigir distorções econômicas, estimular a indústria nacional etc. No que se refere especificamente ao IPI, está previsto que qualquer aumento só pode produzir efeitos depois de 90 dias e, em relação à maior parte dos impostos, o aumento só vale também a partir do ano seguinte.
O amigo cabisbaixo, que sempre fora muito arguto, perguntou: - Então as notícias de que o benefício de IPI já foi extinto estão erradas? O governo não teria de aguardar 90 dias para acabar com o benefício? No fim das contas, revogar a isenção não equivale a aumentar tributo?
- Pois é, respondeu o advogado, o Supremo Tribunal Federal entende exatamente assim. A revogação do benefício equivale a um aumento de imposto, de modo que, se para aumentar alíquotas é preciso esperar 90 dias da publicação do ato, para revogar o benefício, também é necessário aguardar o mesmo prazo. Estou convicto de que, sob esse aspecto, a Medida Provisória é inconstitucional.
O amigo perspicaz ainda indagou: - Só não estou entendendo uma coisa. Você me disse que certos impostos podem ser aumentados no mesmo ano e antes mesmo de 90 dias da publicação do aumento porque são aptos sobretudo a servirem de instrumento de intervenção econômica, e não exatamente a arrecadar. Como então justificar que o aumento do IPI não tenha que aguardar, além de 90 dias, também até o ano seguinte para produzir efeitos, se ele foi anunciado justamente num pacote de reforço do caixa do governo federal para compensar reduções tributárias aplicáveis a combustíveis?
O advogado, impressionado com o raciocínio do amigo, respondeu: -De fato, há tributaristas respeitados que vinculam a possibilidade de aumento de impostos no mesmo ano ou antes de 90 dias exatamente à finalidade extrafiscal da majoração tributária.
Se a Constituição se preocupou tanto em conferir aos contribuintes garantias fundamentais, evitando assim que sejam surpreendidos com aumento da carga tributária sem oportunidade de se preparar e de se planejar, é razoável entender que o aumento imediato de tributo não pode ser feito em caso algum com o objetivo de arrecadar.
O ser humano necessita de segurança e, levando isso em conta, a Constituição Federal impediu aumentos tributários surpreendentes, que acabam por tratar o contribuinte como objeto, e não como sujeito de direito. Veja o seu caso. Se o aumento de IPI via revogação do benefício tivesse sido anunciado com antecedência, você poderia ter-se planejado para requerer a isenção antes, conseguindo, por exemplo, um empréstimo para o pagamento do carro, em vez de juntar previamente o montante, para não perder o benefício.
-Entendi, disse o amigo, revigorado. Pelo visto, nosso encontro foi providencial. Vamos ao seu escritório, pois vejo que nem tudo está perdido.
-Vamos, respondeu o advogado.
O amigo, rindo, indagou: - Ainda está de pé aquela promessa da adolescência de que você não cobraria para ser meu advogado e de que eu não cobraria para ser seu médico?
-Claro, respondeu o advogado. Eu lhe avisaria com antecedência caso tivesse mudado de ideia.
(*André Coelho de Miranda Freire é advogado Tributarista e Procurador do Município de João Pessoa. Mestre em Direito Tributário (USP). Diretor Fundador do Instituto de Pesquisas Fiscais)
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