COTIDIANO
Comitê une patrões e empregados e reduz acidentes por choques elétricos na Construção Civil da Paraíba
CPR-PB foi criado em 1996 e é composto por entidades distribuídas em quatro bancadas, envolvendo poder público, sindicatos de trabalhadores, empresários e apoio técnico.
Publicado em 27/01/2024 às 7:00 | Atualizado em 23/02/2024 às 19:49
A segurança de trabalhadores da Construção Civil é uma das preocupações mais debatidas no âmbito da engenharia. O objetivo é aprimorar estratégias que eliminem riscos potenciais para esses profissionais em meio a um mercado em franca expansão. Na Paraíba, essa premissa não é diferente.
Muito embora haja um esforço contínuo para dirimir os problemas, situações precárias no ambiente de trabalho ainda existem e são responsáveis por centenas de mortes todos os anos no Brasil. Os acidentes por choques elétricos, por exemplo, são uma evidência de que é preciso avançar.
De acordo com o Anuário Estatístico de Acidentes de Origem Elétrica, a região Nordeste segue na liderança quando o assunto são acidentes por choques elétricos, com 206 acidentes fatais, isto é, com a morte das vítimas.
Embora o número represente uma leve redução em relação a 2021, quando foram registrados 242 óbitos, a marca ainda preocupa, principalmente quando são analisadas as possíveis causas desses acidentes, que podem estar ligadas diretamente à falta de fiscalização no contexto da Construção Civil.
Em relação aos estados, a Bahia segue na liderança da região, com 60 acidentes resultando em mortes. Em seguida, aparecem Pernambuco e Paraíba (26), Piauí (24), Ceará (23), Alagoas (16), Maranhão (13), Rio Grande do Norte (13), e por último, Sergipe (5).
Causas
De acordo com a Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel), responsável pelo Anuário, uma hipótese para esse cenário na região Nordeste é a falta de fiscalização sobre a formação dos trabalhadores que atuam nas obras, uma responsabilidade dos conselhos responsáveis por vistoriar esses locais.
Outro ponto destacado é que, segundo a Associação, os acidentes internos nas edificações poderiam ser evitados, em sua maioria, pela execução de um sistema de aterramento e o uso de dispositivos de proteção à fuga de corrente, como o Dispositivo Diferencial Residual (DR). O equipamento é obrigatório no Brasil.
Mesmo com as recomendações, em alguns casos o que existe, na verdade, é um desleixo, o que pode ser fatal.
Paraíba na contramão do NE
Apesar de casos pontuais de mortes no âmbito da Construção Civil, sobre os quais a reportagem fala mais adiante, registros oficiais revelam que nos últimos anos houve uma redução notória e significativa em relação a mortes causadas por choques elétricos, em ambientes de construções e obras, na Paraíba.
De acordo com dados compartilhados pela Abracopel, embora o estado seja o terceiro em número de acidentes com choques elétricos na região Nordeste, dos 18 óbitos ocorridos entre janeiro e agosto de 2023, nenhum foi no contexto da construção civil.
Por outro lado, ao contrário da Paraíba, outros estados do Nordeste registraram casos fatais diretamente ligados à rede elétrica em Construção Civil, no mesmo período: 3 em Alagoas, 3 em Pernambuco, 3 em Piauí, 3 no Ceará, 2 no Maranhão, 5 na Bahia e 1 no Rio Grande do Norte.
O levantamento da Abracopel é corroborado por informações oficiais.
Dados da Secretaria de Saúde da Paraíba (SES), obtidos com exclusividade pelo Jornal da Paraíba, com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), não registram mortes ocasionadas por acidente em ambiente de trabalho na Construção Civil no mesmo período aferido pela Abracopel.
Os dados oficiais mostram que a Paraíba registrou, de janeiro a setembro de 2023, 29 mortes por choques elétricos. A maior parte dos casos (11) ocorreu em residências, não havendo informação oficial sobre mortes em obras de construção civil. No quadro a seguir, é possível aferir os locais e as quantidades de óbitos ocasionados por choques elétricos.
Comitê é exemplo
Embora ainda preocupantes do ponto de vista geral, os números são animadores quando o recorte se dá sobre o contexto das instalações na Construção Civil na Paraíba. E isso tem uma explicação. Desde o ano de 1996, o estado conta com a atuação do Comitê Permanente Regional Sobre Condições e Meio Ambiente do Trabalho da Construção Civil da Paraíba (CRP-PB).
O Comitê une trabalhadores e patrões em torno de um só objetivo: a busca contínua por segurança no ambiente da Construção Civil, com obras mais seguras e saudáveis, através de ações pactuadas entre representantes do poder público, dos trabalhadores, dos empresários e entidades da sociedade civil.
O CPR-PB também foi referendado como fórum de discussão das cláusulas de segurança. É composto por entidades distribuídas em quatro bancadas, que envolvem poder público, trabalhadores, empresários e apoio técnico. Isso torna a atuação do CPR-PB ainda mais eficiente.
De acordo com o Ministério do Trabalho, que faz a fiscalização dos projetos de instalação elétrica na Construção Civil da Paraíba, antes da implementação do programa, 60% de mortes ocorridas no setor eram em decorrência do choque elétrico. Esse cenário negativo mudou com a atuação do Comitê.
De acordo com Ovídio Maribondo, atual presidente do CPR-PB, uma das iniciativas do grupo foi a implementação do Programa de Prevenção aos Acidentes Elétricos (PRAE), o que de acordo com ele foi crucial para a redução de mortes fatais no ambiente de trabalho. Uma das ações do programa é a solicitação de projetos elétricos em instalações provisórias de energia, nos canteiros das obras. Antes, esses projetos eram uma exceção.
Com essa mudança, você passa a ter uma responsabilização maior de todas as empresas na hora que vão fazer essa ligação provisória, pois antes, quando não era exigido ou solicitado esse projeto, essas empresas faziam gambiarra e acontecia um número grande de acidentes com óbito, disse Ovídio.
No ano de 2006, quando completou dez anos, o programa ganhou destaque em publicação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) como um exemplo de iniciativa na América Latina. Nos anos seguintes, essa atuação comprovou-se eficaz. (Clique aqui e leia).
Os resultados dessa iniciativa são comemorados tanto pelo Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção Civil na Paraíba (Sintricom) quanto pelo Sindicato da Indústria da Construção e do Mobiliário do Estado da Paraíba (Sinduscom) e pelo Ministério do Trabalho. Todos compõem o CPR-PB.
Embora a apresentação do projeto de instalação elétrica não seja mais uma “exigência” na hora da liberação de uma construção, como ocorreu até o ano de 2019 por atuação do CPR-PB, ela tornou-se uma praxe. E a ação pedagógica continua. A ideia é que haja um mínimo de planejamento e organização nesses locais.
Nós constatamos que as causas daquelas mortes eram a cultura da gambiarra, a cultura do improviso, ou seja, a ausência do projeto. Nós decidimos, então, intensificar a observação desse planejamento do projeto elétrico, disse Carlos Alberto Pontes, auditor do Ministério do Trabalho.
A reportagem do Jornal da Paraíba acompanhou de perto as instalações elétricas em uma obra considerada “segura” pelo CPR-PB. A edificação, situada no bairro do Geisel, na Zona Sul de João Pessoa, seguiu as principais recomendações feitas pelo grupo. Assista ao vídeo a seguir.
É preciso avançar
Embora as conquistas sejam evidentes, é preciso avançar ainda mais, inclusive para alcançar outros contextos, como as instalações em obras menores ou em reformas mais simples, onde há falta de cuidados com as instalações.
Enquanto esta reportagem era escrita, apontando números animadores para a Paraíba, a Capital João Pessoa registrou um acidente por choque elétrico em uma obra de pequeno porte, no dia 02 de janeiro de 2024, e que vitimou um homem de 40 anos, identificado como José Lima de Oliveira.
Ele morreu após sofrer uma descarga elétrica e cair do primeiro andar enquanto trabalhava na reforma de uma casa, no bairro João Paulo II. De acordo com a TV Cabo Branco, a vítima do acidente estava trabalhando em uma laje, quando encostou em uma fiação externa, tomou uma descarga elétrica e caiu do primeiro andar, sem chances de sobrevivência.
Este acidente revela o quão necessário é um olhar cuidadoso sobre a segurança desses profissionais, inclusive em estruturas menores de construção, e a implementação de um trabalho pedagógico sobre os perigos do choque elétrico, voltado para a população em geral. Apesar dos avanços conquistados, nunca é tarde para falar sobre a necessidade de correção das instalações elétricas em qualquer ambiente.
De acordo com a Abracopel, os choques elétricos vitimaram, em 2022, 34 pedreiros ou ajudantes de pedreiros, 31 eletricistas e 20 pintores, em todo o país. Essas profissões estão ligadas diretamente à Construção Civil.
Cuidados essenciais
Em resposta a um questionamento do Jornal da Paraíba, o gerente de Operações da concessionária Energisa Paraíba, Felipe Costa, falou sobre os cuidados com a execução de obras próximas às redes de distribuição e reforçou as orientações que a empresa compartilha com seus consumidores quando o assunto é o manuseio de instalações.
Entre esses cuidados, deve-se observar a distância mínima entre as redes de baixa e de alta tensão nas construções e o cumprimento à risca das condições descritas nos projetos elétricos das construções. O projeto orienta desde pontos sobre a localização da instalação até a qualidade dos fios utilizados e os dispositivos de segurança necessários. (Assista ao vídeo a seguir).
Para o professor do Centro de Energias Renováveis da Universidade Federal da Paraíba, Euller Macedo, a mudança completa desse paradigma passa por uma conscientização sobre a necessidade de haver segurança operacional no canteiro de obras. De acordo com ele, a utilização de Equipamentos de Proteção Individual não deve ser negligenciada.
“Também se faz necessário haver uma qualificação dos trabalhadores desses locais, porque há uma norma que obriga que trabalhadores que tenham contato com eletricidade passem por uma capacitação, de modo que os riscos sejam minimizados”, lembrou Macedo.
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