POLÍTICA
Falta de moradia digna atinge mais de 120 mil famílias na PB
Reportagem sobre déficit habitacional encerra a série 'Desafios do novo governo', do Jornal da Paraíba e demais veículos da Rede Paraíba de Comunicação.
Publicado em 09/01/2015 às 12:11
Josileide da Silva não está em nenhuma lista de espera por moradia apesar de morar em uma casa de taipa sem condições de habitabilidade (foto: Francisco França)
Encostada na porta da casa, meio envergonhada, Josileide da Silva recebe a equipe de reportagem. A moradia precária fica na beira da estrada no município de Alagoa Grande, a 100 quilômetros de João Pessoa, e não oferece nada que lembre o mínimo de conforto. Pelas condições de habitabilidade, Josileide deveria está na lista das pessoas que esperam uma moradia digna, mas não está. Ela não a única nessa situação. O problema do déficit habitacional no Estado atinge 121 mil famílias paraibanas e encerra a série de reportagens 'Desafios do novo governo', produzida pelo JORNAL DA PARAÍBA e pelos demais veículos da Rede Paraíba de Comunicação.
A realidade de Josileide é crítica, mas isso não impede que ela pareça invisível aos olhos do poder público. Nunca ouviu falar na Companhia Estadual de Habitação Popular da Paraíba (Cehap-PB), nem de qualquer outra secretaria que trate de melhorias sociais. Na porta dela só aparecem os vizinhos, “ou políticos, em tempo de eleição”, diz. Ao mesmo tempo que denuncia o descaso, o casebre é motivo de orgulho para Josileide. A compra foi feita há dois anos, quando ela fechou negócio por R$ 3 mil, valor dividido em 20 meses, segundo ela. A última parcela – de R$ 150,00 – deve ser paga este mês. A renda da casa se resume ao Bolsa Família, do Governo Federal, e não chega a R$ 200,00. “Para conseguir pagar minha casa tenho que me virar fazendo faxina por aí”, conta.
São dois cômodos apenas. Um dos ambientes serve de sala; o outro abriga o quarto, a cozinha e um banheiro improvisado, onde não há portas, nem condições adequadas de higiene. Saneamento básico, inclusive, é algo que não existe por lá. Quando chove, a situação piora, mesmo assim Josileide continua fora das estatísticas de quem precisa de uma moradia.
Francisca Ferreira tem cinco filhos menores e mora em uma casa com risco de desmoronamento (foto: Francisco França)
A poucos metros dali, a reportagem encontrou outro exemplo marcante do déficit habitacional na Paraíba. Nesse caso, a chefe do lar é Francisca Ferreira, 34 anos, mãe de cinco filhos – a diferença média de idade entre eles é de dois anos. A família também mora em casa de taipa e chão batido, onde o risco de desmoronamento se agrava toda vez que chove. As rachaduras contidas nas camadas de barro podem servir de morada para escorpiões e também barbeiros, transmissor da doença de Chagas.
Assim como Josileide, Francisca não demonstra esperança de ser beneficiada com uma moradia digna para criar os filhos. Indiferentes ao problemas, as crianças brincam na frente da casa e tentam aparecer nas fotos para a reportagem. Francisca mora no local há sete anos e não tem perspectiva de sair de lá. Muitas vezes, prefere atribuir o problema a Deus. “Talvez as coisas tinham que ser desse jeito mesmo”, afirma resignada.
A dona de casa desconhece o artigo 6º da Constituição Federal, que classifica a moradia como direito social ao lado de outros direitos básicos como educação, saúde e alimentação. Na casa de taipa de Francisca, esses direitos passam longe. Apesar de desconhecer seus direitos, Francisca fala em tom firme. Passa alguns minutos olhando para o chão como se procurando coragem para dizer ou perguntar algo. Desiste. Volta a responder apenas o que lhe é perguntado. Logo os papéis se invertem e quem pergunta é ela, apontando para o rascunho no bloco de notas: “Será que quando os ‘homens importantes’ lerem isso que você vai colocar no jornal vão me dar uma casinha?”.
Estado vai ganhar mais de 35 mil moradias, afirma a presidente da Cehap
As moradias precárias não estão apenas nas cidades do interior da Paraíba. Em João Pessoa e Campina Grande, as duas maiores do Estado, também apresentam esse problema. Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as favelas deixaram de existir em 2011, quando foi adotado o termo 'aglomerados subnormais'. Na prática, o cenário é o mesmo, independentemente do nome que lhe é dado. No sentido mais fiel da palavra, aglomerado subnormal é um conjunto pelo menos 51 unidades habitacionais, que podem ser barracos, casas ou outro tipo de moradia precária. Na capital um exemplo do déficit habitacional pode ser encontrado no bairro do Róger, precisamente na comunidade do S, onde, por décadas, funcionava o 'lixão' da cidade. O depósito de resíduos sólidos acabou, mas a população continuou esquecida em uma área onde faltam condições dignas de moradia. Muitas casas são improvisadas. A falta de saneamento básico e de acesso a serviços de saúde deixa a situação da comunidade ainda mais vulnerável. Segundo o IBGE, em todo o Estado há cerca de 600 mil aglomerados subnormais. Em João Pessoa o déficit habitacional é de 20 mil, mas 86 mil se inscreveram para receber uma moradia.
A presidente da Companhia Estadual de Habitação Popular (Cehap), Emília Correia, disse que em quatro anos quase 15 mil unidades habitacionais foram entregues, outras 9.253 estão em fase de construção, e mais 10.151 prontas para assinar contrato em em fase de licitação. “Ao todo teremos mais de 35 mil moradias entregues em todos os municípios da Paraíba”, explicou.
De acordo com Emília, podem receber uma casa do governo as pessoas de baixa renda. A maioria, segundo ela explicou, recebe um salário mínimo, mas podem se cadastrar quem recebe até três. A inscrição pode ser feita pessoalmente ou pela internet. Nos municípios do interior a Cehap chega através de convênios com as prefeituras. Pessoas que se cadastraram há dez anos ainda aguardam o momento de receber as chaves de sua moradia, conforme revelou a presidente do órgão.
O processo de investigação é lento e burocrático, mas não poderia ser diferente. A pesquisa minuciosa tem o objetivo de garantir a moradia para quem realmente se encaixa no perfil. Pessoas como Josileide e Francisca, cujas histórias foram contadas no início desta reportagem. “Infelizmente muitas pessoas se inscrevem sem ter necessidade. A gente não vai por sorteio, pois seria muito arriscado. Queremos evitar que pessoas recebam casas e depois as comercialize”, pontuou. O trabalho, portanto, é redobrado, o que explica a demora no recebimento, segundo Emília. Dentre os critérios estabelecidos pela Cehap estão a renda familiar e o número de filhos.
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