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POLÍTICA

TCE apura terceirização ilegal da Cruz Vermelha

Cruz Vermelha realizou contratos com empresas para terceirização de setores do hospital, a exemplo do setor de nutrição e dietética.

Publicado em 03/05/2014 às 6:00 | Atualizado em 29/01/2024 às 12:31

Dinheiro do Estado foi utilizado em 2013 para pagamento de funcionários de empresas contratadas pela Cruz Vermelha do Rio Grande do Sul, para a gestão do Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena, em João Pessoa, numa espécie de 'terceirização da terceirização'.

As despesas com terceirizações de pessoas jurídicas no Trauma representam 82% dos gastos feitos com medicamentos e materiais médico-hospitalares no ano passado. Diversas empresas foram beneficiadas com esta política da Cruz Vermelha, a maioria delas de forma irregular. É o que aponta a auditoria realizada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), em 2013, na gestão da Organização Social (OS) no Hospital de Trauma.

O relatório da auditoria integra o processo 02642/14 no TCE, referente a Inspeção Especial de Contas relativa ao exercício 2013 da Secretaria de Estado da Saúde (SES).

Um dos casos mais graves dessa 'terceirização da terceirização' constatada na gestão pactuada do Trauma é o do contrato da Cruz Vermelha com a empresa Papatudo – Indústria e Comércio de Alimentos e Bebidas Ltda., sediada em Saquarema, no Rio de Janeiro.

A empresa, que foi contratada para prestação de serviços de gestão gastronômica, para alimentação dos pacientes e acompanhantes e também fornecimento de insumos alimentícios, teve os salários de seus
funcionários pagos pela Cruz Vermelha e Hospital de Trauma.

No ano passado, a empresa recebeu da Cruz Vermelha R$ 3.539,433,76, sendo R$ 2.145.945,00 pela aquisição de gêneros alimentícios e R$ 1.393.488,76 de serviços de gestão gastronômica.

Em relação à aquisição de gêneros alimentícios, a auditoria do TCE solicitou a comprovação das notas fiscais de compra de mercadoria, mas recebeu apenas comprovação de boletos bancários pagos à Papatudo e recibos comerciais. Por conta disso, foram solicitadas explicações jurídico-formais aos gestores, sob pena de imputação de débito de compras de alimentos não comprovadas no valor de R$ 2.145,945,00.

As irregularidades no contrato com a Papatudo não param aí. O TCE constatou que a empresa aportou apenas 12 profissionais para a área de nutrição do Trauma, enquanto que o hospital disponibilizou, na posição de dezembro do ano passado, 107 profissionais para o mesmo setor, com um custo remuneratório de R$ 1.174.893,08 por ano. Ou seja, 90% dos profissionais que trabalham no setor de nutrição já são remunerados pela Cruz Vermelha e pelo Hospital de Trauma.

O custo deveria ser absorvido integralmente pela empresa terceirizada e não pelo hospital, como prevê o contrato entre as partes. Assim, a auditoria do TCE viu afronta ao princípio de economicidade pública, sugeriu imediato cancelamento do contrato com a empresa e o ressarcimento dos R$ 1.174.893,08 aos cofres públicos, sob pena de enriquecimento ilícito por parte da empresa.

Para os auditores do Tribunal de Contas, a relação entre a Organização Social Cruz Vermelha do Rio Grande do Sul e a Papatudo representa um contrassenso com a atividade fim do Hospital de Trauma, que é a promoção de serviços de saúde em urgência e emergência.

Grande parte dos recursos disponíveis do orçamento da Saúde é contemplado com terceirizações de pessoas jurídicas (atividade meio), onde nem sequer os gastos com cooperativas médicas encontram-se inclusos.

TRIBUNAL QUER DEVOLUÇÃO DE R$ 3,1 MILHÕES

O caso do contrato com a Papatudo é apenas um no montante de irregularidades nas terceirizações realizadas dentro do Hospital de Trauma. A Cruz Vermelha efetuou diversos pagamentos a empresas comerciais, sem comprovação jurídico-material desses gastos. Além disso, membros das diretorias das organizações citadas participam reciprocamente entre elas, e o TCE solicitou devolução de R$ 3,1 milhões e cancelamento de contratos.

Um dos contratos envolve a empresa BR Tic Inovações Tecnológicas Ltda., sediada em Recife. A empresa foi contratada para serviços de auditoria em tecnologia da informação para gestão empresarial, avaliação no ambiente e oferecimento de sugestões para controle interno, segurança, gestão e análise de alinhamento em relação aos negócios. O valor do contrato foi de R$ 68.577,06, mas não há comprovação material de tais serviços nos controles do hospital e a sala onde deveria funcionar a empresa estava fechada durante a auditoria do TCE.

A empresa Chilleer Serviços Ltda. foi contratada para prestação de serviços de manutenção preventiva e corretiva do sistema de climatização, incluindo peças de reposição. Em 2013, foi pago o valor de R$ 379.222,50 à empresa, que, por coincidência, foi constituída no bairro de Mandacaru, em João Pessoa, em agosto de 2011, logo após o início da gestão da Cruz Vermelha no Trauma, por dois jovens de 22 e 23 anos de idade, com grau de parentesco comprovado pelo nome legítimo (Dayanne Florentino da Silva Dias e Dhiego Florentino da Silva Dias). Detalhe: o registro fotográfico do endereço da empresa comercial aponta para uma residência.

AUDITORIA NÃO VÊ GASTOS COMPROVADOS

Com a empresa Gespro – Serviços de Apoio Administrativo Ltda., sediada em Brasília, o valor pago em 2013 foi de R$ 269.738,00, mas sem comprovação material nos controles internos do hospital. A empresa foi contratada para serviços de análise de riscos institucionais para planos de contingência do Trauma.

Mesma situação do contrato com a empresa Coopers – Instituto Profissional de Consultores Associados, sediada em Brasília, para implantação de fluxos operacionais de atendimentos aos pacientes, análise, validação e correção dos programas normativos do hospital e implantação dos fluxos operacionais e controle de cadeia medicamentosa. Neste caso, o valor pago sem comprovação foi de R$ 638.795,84.

Também não houve comprovação de gastos nos contratos com as seguintes empresas: Botin Assessoria e Serviços Ltda, sediada no Rio de Janeiro (R$ 1.195,410,36), Prosper Sociedade Civil de Profissionais Associados, sediada em Brasília (R$ 554.418,50) e Deltafi Projetos e Execução, sediada em João Pessoa (R$ 23.602,14). O valor do contrato com a Deltafi foi pago de forma adiantada, sem comprovação dos serviços prestados no hospital. Tanto que a administração do hospital impetrou ação judicial contra a empresa, contratada para serviços de colocação de telhas de alumínio e correção de fachada principal da cobertura do hospital. No local previsto para funcionar a empresa, no bairro do Bessa, funciona uma residência. O total das despesas não comprovadas chega a R$ 3.129.764,40.

Os auditores constataram, também, que vários membros das diretorias das empresas participaram reciprocamente entre elas.

É o caso do senhor Cleônides Sousa Gomes, que atua como presidente da Coopers e da Vértice (esta última com contrato de assessoria de imprensa com a Cruz Vermelha). Ou do senhor Jefferson Sousa Gomes (nome com correlação familiar ao de Cleônides), que atua como sócio da Gespro. E também do senhor Gilberto Alves Landim, que atua nas empresas Coopers e Gespro.

A reportagem entrou em contato com o governo do Estado e a Cruz Vermelha para esclarecer as informações do relatório da auditoria, mas não obteve resposta.

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Jornal da Paraíba

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