POLÍTICA
Além das urnas: TRE-PB insere quilombolas e indígenas no processo eleitoral
Além da logística tradicional para a realização do pleito, o foco principal é assegurar o direito pleno ao voto, especialmente para eleitores socialmente vulneráveis.
Publicado em 06/01/2024 às 7:00
A menos de dez meses das eleições municipais de outubro de 2024, o Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB) intensifica os esforços para garantir que o pleito seja mais inclusivo e participativo. Além da logística tradicional, o foco principal é assegurar o direito pleno ao voto, especialmente para eleitores socialmente vulneráveis, como indígenas, quilombolas e Pessoas Com Deficiência (PCD).
Na Paraíba, esse grupo de eleitores está no radar da Justiça Eleitoral desde o início de 2023. O objetivo é possibilitar que o máximo de cidadãos compareça às urnas para eleger prefeitos e vereadores nos 223 municípios do estado. Para isso, além de fazer campanhas com foco na regularização do título eleitoral, há uma busca por aproximação com essas populações.
Um exemplo de como esse trabalho ocorre na prática, é o depoimento da eleitora Dayse da Silva Felismino, uma das pessoas atendidas pelo serviço itinerante, voltado à comunidade quilombola, oferecido pelo TRE-PB em Rio Tinto. "A chegada desse posto itinerante melhorou bastante [a nossa situação]. Antes, a gente precisava se deslocar para tirar o título, e agora, graças a Deus, as coisas mudaram muito aqui", disse.
No mês de novembro de 2023, foram atendidas as comunidades quilombolas de Gurugí, em Conde, de Caiana dos Crioulos, em Alagoa Grande, e as aldeias indígenas dos municípios de Marcação e de Baía da Traição, fechando o ciclo de 2023.
Invisibilidade
De acordo com dados de 2023 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), somente 565 eleitores se declaram como "quilombolas" na Paraíba, e desse grupo, somente 4 falam um idioma de origem quilombola. As estatísticas ajudam a entender esse processo de invisibilidade.
Os números estão aquém da realidade. O resultado do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 2022 mostra que a população quilombola que mora fora dos territórios quilombolas na Paraíba está em 13.666 pessoas.
Aproximação
O trabalho de busca ativa em torno das comunidades tradicionais do estado atende às recomendações da Resolução nº 519/2023, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e é conduzido pelo Núcleo de Acessibilidade, Inclusão e Diversidade (NAID) do TRE-PB.
Os serviços abrangem emissão do título eleitoral, transferência do local de votação, quitação de multas, coleta biométrica e cadastro de eleitores com algum tipo de deficiência. A expectativa é que a campanha continue até o fim do prazo para a regularização do título de eleitor, previsto para o dia 08 de maio.
Em entrevista ao Jornal da Paraíba, a servidora Valnia Lima Veras, responsável pelo NAID, explicou que o principal objetivo é proporcionar comodidade à população, com acesso facilitado aos serviços da Justiça Eleitoral, a fim de promover a "cidadania efetiva".
Além das ações itinerantes ocorridas no mês de novembro, o TRE-PB levou representantes dessas localidades para uma visita à sede da Corte, ocasião em que participaram de palestras sobre a importância do voto.
Além das ações itinerantes, nós trouxemos essas pessoas para dentro dos muros do TRE-PB. O objetivo é garantir a cidadania efetiva para todas as pessoas, é trazer o povo para dentro da Justiça Eleitoral, inclusive as mais afastadas, que vivem em lugares mais remotos. A população mais afastada precisa ser prestigiada, disse Valnia.
Durante as ações realizadas nessas comunidades, um dos atendidos pelo TRE-PB, quando questionado se é um quilombola, não soube responder à pergunta, demonstrando de forma cabal como esses números se aplicam na prática. Outros, porém, falaram sobre a importância da ação.
Assista ao vídeo a seguir.
Já em relação aos povos originários, os dados do IBGE apontam que há 30.140 pessoas que se autodeclararam indígenas na Paraíba, um aumento de 8 mil pessoas em relação ao censo de 2010. A maior parte desse público está distribuída em três municípios: Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto.
A presidente do TRE-PB, desembargadora Fátima Bezerra Maranhão, visitou pessoalmente as comunidades e citou a valorização desses públicos no contexto do processo eleitoral brasileiro. Ela explicou que o trabalho "vai muito além das urnas", já que um dos pilares da Corte é a inclusão social, sendo este um dos focos do biênio dela na Presidência da instituição.
Quando colocamos um cartório eleitoral no coração de uma comunidade como essa, possibilitando que os jovens tirem seus títulos, quando possibilitamos que os indígenas e os quilombolas façam seu recadastramento em seus locais de origem, também estamos divulgando a ação da Justiça Eleitoral, para que eles se sintam estimulados a participarem do processo democrático, afirmou.
Assista ao vídeo seguir.
Desafios
A iniciativa do TRE-PB em se aproximar de comunidades vulneráveis representa um passo significativo na promoção da inclusão social e participação cidadã, mas é preciso avançar. Superar o distanciamento histórico desses grupos do Poder Judiciário é crucial para fortalecer a democracia, garantindo que todos tenham acesso igualitário ao exercício do voto.
Para o sociólogo Gonzaga Júnior, membro do Grupo de Estudos em Sociologia Política (GRESP/UFPB), o distanciamento de povos indígenas e dos quilombolas do Poder Judiciário é fruto da lógica de estigmatização dessas populações, de modo que iniciativas de inserção social ainda são necessárias.
Para muitas pessoas a ideia de participação das populações indígenas e dos quilombolas é um atraso, mas essa participação é fundamental para um país que pretende ser mais diverso e cada vez mais plural. Se faz necessário que essas populações estejam presentes nos espaços de poder, afirmou.
Ainda de acordo com Gonzaga, para que isso se concretize, é fundamental que essas populações se engajem politicamente, disputando cargos eletivos, e que o eleitorado como um todo compreenda a necessidade dessa representação nos espaços de Poder.
Se faz necessário que a Justiça Eleitoral esteja nessas ações de incentivo a essas populações excluídas que estejam mais dispostas a participar dos espaços de poder, assim como outros entes governativos estejam participando desse estímulo, além dos partidos que começam a abrir essa diversidade maior. Dessa forma, teremos uma democracia representativa que seja a cara do Brasil, disse.
Para o quilombola Francisco Xavier, a atuação da Justiça Eleitoral merece reconhecimento. “A gente tinha que se descolar pra ir até a cidade e esse trabalho facilita muito, então a gente se sente agradecido por todos os esforços, a gente se sente muito gratificado”, disse.
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