Transplante de coração de porco para humanos, um marco para ciência e esperança para quem espera por um órgão

Em um procedimento médico inédito, médicos dos Estados Unidos conseguiram transplantar com o coração de um porco geneticamente modificado para  um homem  com doença cardíaca em estado terminal.

Foto: André Telis

Transplante de coração de porco para humanos, um marco para ciência e esperança para quem espera por um órgão.

Quem assistiu ao Jornal Nacional ontem viu com entusiasmo o avanço da medicina: em um procedimento médico inédito, médicos dos Estados Unidos conseguiram transplantar o coração de um porco geneticamente modificado para  um homem  com doença cardíaca em estado terminal. O procedimento representa uma esperança para milhares de pacientes à espera de um transplante.

Última esperança

David Bennett não tinha alternativas, a não ser apostar no novo tratamento. Após esgotados todos os procedimentos possíveis, não havia mais tempo para o paciente se qualificar para receber um coração humano.

Da mesma forma que esse coração, um rim de porco geneticamente modificado foi transplantado em uma paciente já em morte encefálica em setembro do ano passado. Agora o transplante de coração de porcos para humanos trás de novo a discussão para a mídia.

Transplante de coração de porco para humanos, um marco para ciência e esperança para quem espera por um órgão
Foto: Divulgação

Rejeição

O nosso sistema imunológico entende um órgão transplantando como um invasor e luta para destruí-lo. É assim que acontece quando recebemos um órgão, uma transfusão de sangue ou mesmo medula não compatível. A esse processo chamamos de rejeição. Nós precisamos utilizar medicamentos para suprimir essa resposta imunológica.

No caso dos dois transplantes, a utilização de modificação genética possibilitou que o corpo do receptor não lutasse contra o “invasor”, portanto, o procedimento parece ser promissor.

Segundo Rayana Maia, médica geneticista e professora do curso de Medicina da UFPB, “4 genes do porco foram desligados e mais 6 genes humanos adicionados para prevenir a rejeição. No caso um dos genes desligados é responsável pelo crescimento do coração, e isso precisa ser bloqueado.”

O futuro é agora

Segundo Rayana, o procedimento antecipa o futuro. A terapia genética já é usada para tratar outras doenças raras. Faz-se terapia alterando genes no corpo todo, para isso eles utilizam vírus como vetor para inocular genes.

O Zolgensma, por exemplo, usado para o tratamento de uma doença genética rara chamada atrofia muscular espinhal (AME), é um exemplo perfeito. Ele usa terapia gênica para corrigir o DNA da pessoa que sofre com o problema. É considerado o medicamento mais caro do mundo, chegando ao valor de quase 3 milhões de reais no Brasil.

No caso de transplante de órgãos, a tecnologia utilizada é ainda mais refinada – é preciso atuar em apenas células de um órgão e também atuar sobre células do animal. Por enquanto ela vê com entusiasmo a possibilidade, ao mesmo tempo diz que é preciso observar resultados com cautela. Mas de todo modo, quando perguntada sobre olhar do geneticista sobre o avanço ela diz de forma categórica. “O futuro é agora.”

Mais de 60 mil transplantes no Brasil

O país possui um dos maiores programas públicos de transplantes de órgãos e tecidos do mundo. O Sistema Nacional de Transplantes, criado em 1997, foi um dos responsáveis pelo aumento no número de procedimentos no país. Ainda assim, milhares de pessoas aguardam na fila de espera por um órgão. Cerca de 63 mil pessoas estão na fila à espera por um coração, fígado, rim, pâncreas, pulmão ou córnea.

Aqui no Brasil, a média é de 10 doadores por milhão de habitantes, número bem menor que em outros países. Na Espanha, por exemplo, são 36 doadores para cada milhão de habitantes. Entre os principais problemas enfrentados, a dificuldade na captação dos órgãos, seja pela demora em comunicar a morte encefálica, ou pela dificuldade em conseguir a autorização das famílias para a retirada do órgão.

Segundo uma pesquisa  sobre Doação de Órgãos do Instituto Datafolha feita ano passado, 7 em cada 10 brasileiros querem ser doadores de órgãos pós-falecimento. O problema é que menos da metade informou esse desejo à família, o que pode dificultar a concretização do desejo e manter a distancia até o início da fila um espera tão longa que custe sua vida.

Além da rejeição, a infecção por vírus que só acometem animais e possam agora infectar humanos é um outros temor.

A possibilidade de uso de órgãos de animais geneticamente modificados pode ser uma esperança para encurtar a fila até o transplante.

Brasil é o 2º maior transplantador do mundo

Segundo o ministério da Saúde, o Brasil é o 2º maior transplantador do mundo, atrás apenas dos EUA. No entanto, por conta da pandemia, em um universo de 22 países estudados, o Brasil foi aquele onde o maior número de pessoas deixou de fazer cirurgias de transplantes por causa da pandemia. Houve uma redução de 29% entre 2019 e 2020.

O uso de células geneticamente modificadas é um recurso que tem sido aprimorado tanto do ponto de vista funcional como em segurança clínica. E sabemos que as medicações necessárias para evitar a rejeição de órgãos transplantados são eficazes.

As inovações da pesquisa quando se fala é transplante são incríveis. A possibilidade de uso de órgãos de outras espécies é algo que nos enche de esperança e que poderá transformar a vida de muita gente.